Os que memoram a grande e a pequena história do Vale do Côa reconhecerão em Robert Bednarik um dos seus mais encarniçados detractores. Uma singular e auto-enfática personagem que nunca deixa por mãos alheias a defesa das suas mais espampanantes teses sobre a modernidade dos gravados de Foz Côa, já que aparentemente ninguém o levará a sério - o que ele próprio tenta ingloriamente psicanalisar no seu textinho de 2008 citado adiante.
Dois textos recentes deste australiano impenitente trazem de novo à colação a problemática do Côa com o seu cotejo de originais considerandos eivados de forte e proclamada "cientificidade" (lá voltamos ao pastiche da microerosão na macieza dos xistos!), embora o argumentário continue a ser o mesmo e empastelado arrazoado de lugares-comuns, mesclado de algumas mentiras e semi-verdades. E desta vez, não contente em continuar a denegrir a arte do Côa (e a arqueologia portuguesa no seu todo), ignorando intencionalmente a evidência arqueológica que ali foi e vem sendo demonstrada, RB atira-se a Siega Verde, considerando que as suas gravuras não poderão ter mais de dois séculos!! E isso com muito boa vontade, dizendo confiar mais nas suspeições e saber popular dos aldeões de Castillejo de Martin Viejo (a aldeia perto de Siega Verde), do que nas deduções e ciência arqueológica dos que estudaram a arte rupestre presente no sítio! É pois um verdadeiro encontro de aldeões tamanha conclusão.
Tudo isto está agora de novo contido nos artigos "Fluvial erosion of inscriptions and petroglyphs at Siega Verde, Spain" [Journal of Archaeological Science, 36 (2009), 2365-2373]; e "Lecture Nº 4, Mistakes in Pleistocene archaeology" (Semiotix Course 2008, sepª de 12 p.). Que evidentemente não vou aqui escalpelizar (outra vez? não!), mas não posso deixar de assinalar, chamando a atenção para a original história da evolução da salvação e estudo da arte do Côa na visão de Bednarik (num capitulozinho da Lecture) e onde (imagine-se) sobressaiem uma bela e um monstro. Que não serão difíceis de identificar, mesmo para quem não se der ao trabalho de passar os olhos por essa visão humorística da longa batalha do Côa. Concedendo ao monstro uma verdadeira arte da prestidigitação na rústica ciência com que geriu todo o processo e na mistificação com que enganou, não meio-mundo, mas quase todo um mundo (excepto, é claro, Bednarik e talvez algum dos seus lusos amigos).
É verdade que o Vale do Côa sofre de um pecado original, ainda e sempre assombrado pelo fantasma da barragem do Baixo Côa. E isto tudo inquina, como aliás se tem visto em episódios de tramitação recente. A que se somam as enquistadas diatribes de Bednarik, acobertadas nas páginas de revistas que se pretendem científicas. E para quem a arte do Côa não ultrapassará os 400 anos - com uma ou outra coisa, diz o homem, que chegará ao Neolítico, e isto lembra-me o discurso corrosivo de Veiga Ferreira sobre a arte do Tejo, onde era tudo moderno excepto uma rocha do Neolítico perdida nos xistos de Fratel!! mas que, como foi afogada, entrou no olvido.
Claro que esta polémicazinha de segunda ordem que Bednarik pretende reacender, não tem hoje direito a títulos gordos e parangonas de imprensa, mas não deixa de ser um nostálgico remanescente dos idos de 95 e pela pena de quem ao tempo se oferecia já à companhia de electricidade para "demonstrar" que tudo aquilo era moderno e assim... a barragem podia avançar.
Quanto aos auroques do Côa (e de Siega Verde), tornam a ser touros de lide espanhóis (Spanish fighting bulls). E os cavalos são domésticos e bem arreados, tudo por entre centenas de inscrições modernas (onde? onde?). E a estória dos líquenes? Um verdadeiro conto da carochinha, agora de novo remontado por Bednarik... para verdadeira ilustração das criancinhas!!