domingo, 30 de agosto de 2009

Museu do Côa 03


Fotos: AMB//29AGO'09

Em finais do século passado houve em Portugal um referendo à regionalização. Uma coisa mal amanhada e pior cozinhada e daí o seu chumbo em urnas, mas votei a favor. Voto que repetiria hoje, pese embora o interior seja o que é, despovoado, inculto e descapitalizado. Mas ainda assim com muita gente interessante! Por isso sou também adepto de uma gestão descentralizada do Museu do Côa e das diversas áreas protegidas do país, embora reconheça a dificuldade (e os riscos) que tudo isto encerra. Mas, também por isso, desde sempre optei por trabalhar no interior do país.
É verdade que, aproveitando o balanço da reorganização da arqueologia nacional em finais da década passada e fruto da batalha do Côa, quando conseguimos que fosse criado um serviço com dimensão nacional devotado ao estudo da nossa arte rupestre, lutei para que ele ficasse sediado em terras do interior e assim o CNART acabou por ficar em Vila Nova de Foz Côa. Sem apoio político, morreu na primeira oportunidade e o seu contributo para a "invenção" do museu do Côa não foi sequer ontem lembrado nos discursos de circunstância na visita do Ministro da Cultura às instalações do futuro museu. E, no entanto, sem o CNART não haveria discurso museológico consequente neste museu...

O Ministro da Cultura passou dois dias, creio que bastante agradáveis, no Vale do Côa. Tive todo o prazer em acompanhá-lo e explicar-lhe a importância mundial do ciclo artístico paleolítico do Côa. Homem inteligente, certamente não lhe terá escapado que esta história do Côa ultrapassa a pequenez do país. E as soluções para a gestão que se quer renovada do Parque Arqueológico do Vale do Côa e agora do seu museu anexo, que brevemente será inaugurado, não são fáceis em tempos de magras vacas, nem saltam facilmente de dentro de uma qualquer cartola. Como se verá nos meses que aí vêm.

Vale do Côa: Felizmente há luar

Público, 29 de Agosto 2009

Público, 30 de Agosto 2009

Desculpem-me os leitores , mas a silly season não aconselha qualquer comentário.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Bednarikadas

Os que memoram a grande e a pequena história do Vale do Côa reconhecerão em Robert Bednarik um dos seus mais encarniçados detractores. Uma singular e auto-enfática personagem que nunca deixa por mãos alheias a defesa das suas mais espampanantes teses sobre a modernidade dos gravados de Foz Côa, já que aparentemente ninguém o levará a sério - o que ele próprio tenta ingloriamente psicanalisar no seu textinho de 2008 citado adiante.

Dois textos recentes deste australiano impenitente trazem de novo à colação a problemática do Côa com o seu cotejo de originais considerandos eivados de forte e proclamada "cientificidade" (lá voltamos ao pastiche da microerosão na macieza dos xistos!), embora o argumentário continue a ser o mesmo e empastelado arrazoado de lugares-comuns, mesclado de algumas mentiras e semi-verdades. E desta vez, não contente em continuar a denegrir a arte do Côa (e a arqueologia portuguesa no seu todo), ignorando intencionalmente a evidência arqueológica que ali foi e vem sendo demonstrada, RB atira-se a Siega Verde, considerando que as suas gravuras não poderão ter mais de dois séculos!! E isso com muito boa vontade, dizendo confiar mais nas suspeições e saber popular dos aldeões de Castillejo de Martin Viejo (a aldeia perto de Siega Verde), do que nas deduções e ciência arqueológica dos que estudaram a arte rupestre presente no sítio! É pois um verdadeiro encontro de aldeões tamanha conclusão.

Tudo isto está agora de novo contido nos artigos "Fluvial erosion of inscriptions and petroglyphs at Siega Verde, Spain" [Journal of Archaeological Science, 36 (2009), 2365-2373]; e "Lecture Nº 4, Mistakes in Pleistocene archaeology" (Semiotix Course 2008, sepª de 12 p.). Que evidentemente não vou aqui escalpelizar (outra vez? não!), mas não posso deixar de assinalar, chamando a atenção para a original história da evolução da salvação e estudo da arte do Côa na visão de Bednarik (num capitulozinho da Lecture) e onde (imagine-se) sobressaiem uma bela e um monstro. Que não serão difíceis de identificar, mesmo para quem não se der ao trabalho de passar os olhos por essa visão humorística da longa batalha do Côa. Concedendo ao monstro uma verdadeira arte da prestidigitação na rústica ciência com que geriu todo o processo e na mistificação com que enganou, não meio-mundo, mas quase todo um mundo (excepto, é claro, Bednarik e talvez algum dos seus lusos amigos).

É verdade que o Vale do Côa sofre de um pecado original, ainda e sempre assombrado pelo fantasma da barragem do Baixo Côa. E isto tudo inquina, como aliás se tem visto em episódios de tramitação recente. A que se somam as enquistadas diatribes de Bednarik, acobertadas nas páginas de revistas que se pretendem científicas. E para quem a arte do Côa não ultrapassará os 400 anos - com uma ou outra coisa, diz o homem, que chegará ao Neolítico, e isto lembra-me o discurso corrosivo de Veiga Ferreira sobre a arte do Tejo, onde era tudo moderno excepto uma rocha do Neolítico perdida nos xistos de Fratel!! mas que, como foi afogada, entrou no olvido.

Claro que esta polémicazinha de segunda ordem que Bednarik pretende reacender, não tem hoje direito a títulos gordos e parangonas de imprensa, mas não deixa de ser um nostálgico remanescente dos idos de 95 e pela pena de quem ao tempo se oferecia já à companhia de electricidade para "demonstrar" que tudo aquilo era moderno e assim... a barragem podia avançar.

Quanto aos auroques do Côa (e de Siega Verde), tornam a ser touros de lide espanhóis (Spanish fighting bulls). E os cavalos são domésticos e bem arreados, tudo por entre centenas de inscrições modernas (onde? onde?). E a estória dos líquenes? Um verdadeiro conto da carochinha, agora de novo remontado por Bednarik... para verdadeira ilustração das criancinhas!!