sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Arte Paleolítica recentemente classificada Património Mundial pela UNESCO

Um grupo de dezassete grutas da região cantábrica (Norte de Espanha) decoradas com arte paleolítica, foram, em 8 de Julho passado, inscritas pela Unesco (32ª sessão do Comité do Património Mundial) na lista do Património Mundial, de acordo com os critérios (i) e (iii) desta organização. 
De acordo com os critérios já utilizados para os sítios de Arte Levantina peninsular, estas grutas foram classificadas como uma "extensão" de Altamira, classificada desde 1985 e que doravante aparecerá na lista do Património Mundial como "Gruta de Altamira e Grutas com Arte Paleolítica do Norte de Espanha" ( http://whc.unesco.org/en/list/310 ).
As novas grutas agora inscritas são: Peña de Candamo, Tito Bustillo, Cavaciella, Llonín, El Pindal, Chufín, Hornos de la Peña, El Castillo, Las Monedas, La Pasiega e Las Chimeneas (estas 4 no Monte Castillo), El Pendo, La Garma (uma absoluta preciosidade!), Covalanas, Santimamiñe, Ekain (uma jóia no País Basco) e Altxerri.

É um processo semelhante o que se está a propor à Unesco para classificar o sítio de ar livre de Siega Verde como uma extensão do Vale do Côa. E que de futuro poderá eventualmente estender-se aos sítios com arte paleolítica do Vale do Sabor (Ribeira da Sardinha, Pousadouro, Sampaio e Pedra Escrevida), do Vale do Douro (Mazouco), do Vale do Zêzere (Poço do Caldeirão e Costalta) e do Vale do Ocreza, já que todos eles guardam gravuras cronologicamente enquadráveis na fase antiga da Arte do Côa (período Gravetto-Solutrense). E todos eles se constituem, com o Vale do Côa, como parte do "nosso" primeiro império artístico!

A lista do Património Mundial conta presentemente com 878 sítios inscritos, dos quais 679 são património cultural, 174 como património natural e 25 mistos. Tudo distribuído por 145 países.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Álbum histórico do Vale do Tejo 03 - Um artigo de Veiga Ferreira


Não são fotografias que hoje trago à colação, mas um curiosíssimo artigo de O. da Veiga Ferreira, perdido numa revisteca dos últimos dias do Estado Novo, que hoje é uma curiosidade também ela já arqueológica.

Não houve, aquando do anúncio da descoberta e primeiros estudos das gravuras holocénicas do Vale do Tejo, nenhuma polémica ou qualquer veleidade de salvamento das mesmas, antes se antevia do seu inevitável afundamento sob as águas da barragem de Fratel, o que viria a acontecer no ano da grande Abrilada.

Mas tivemos as nossas polémicas caseiras. E uma delas foi com o impagável O. da Veiga (como então carinhosa e jocosamente se dizia!) que, titulando-se um "prático de geologia" e forte das suas centenas de artigos sobre tudo e mais alguma coisa do mundo arqueológico português, resolveu questionar da antiguidade pré-histórica da Arte do Tejo, nomeadamente do grande sítio de Fratel onde está a famosa rocha F-155. Pois uma sua visita a Fratel e certamente com a frustração de ter talvez peregrinado anteriormente pelas margens do Tejo e nada ter registado com interesse rupestre, levou-o a perorar de cátedra e assim elucidar os "jovens" ingénuos que eram o então grupo de estudantes que descobrira as gravuras, mai'lo seu testa de ferro institucional que era o Dr. Eduardo da Cunha Serrão! A quem todos chamávamos "o Doutor". E vá de escrever este "histórico" artigo onde, apesar de tudo, concede a dignidade neolítica a um painel (era a rocha 72 de Fratel) e em tudo o resto só via corações, datas, nomes, cabras e carneiros!! obrinhas de pastores modernos, ainda assim talentosos, já que alguns desses motivos eram desenhados à maneira pré-histórica! E, fantástica sugestão, até alvitrava que esses pastores tinham utilizado como objectos incisores os tirefondes que iam caindo das linhas de caminho de ferro da Beira Baixa, que passava sobranceira ao vale naquela zona da margem direita do Tejo! Uns tirefondes semelhantes aos que uns miúdos escolares andaram há dias a colher na trágica linha do Tua para gáudio televisivo!

Na altura escrevi um texto jocoso sobre esta tonteria do Veiga Ferreira, mas, não publicado, perdi-lhe o rasto. Recordo-me que lhe chamei "A carga dos tirefondes!" e o título é tudo o que dele resta... Passados anos, num encontro fortuito com Veiga Ferreira nas antigas instalações da então Direcção-Geral do Património e já depois de afundadas as gravuras e publicada uma série de artigos sobre a Arte do Tejo, que então era o nosso mais importante repositório rupestre pré-histórico, ainda o inquiri sobre se consideraria aqueles motivos como todosde factura moderna!? E não é que ele me disse que sim!! Claro que por esses dias, Veiga Ferreira andava a publicar artigos em revistas de muito duvidosa credibilidade, anunciando ovnis entre as pinturas e gravuras das grutas paleolíticas da Franco-Cantábria! 
Não sei se Veiga Ferreira morreu com a dúvida metódica sobre a Arte do Tejo, e não deixa de ser curioso o seu paralelismo por exemplo com R. Bednarik que ainda hoje continua a afirmar que as gravuras do Côa foram feitas por moleiros, talvez em época romana! "Ele há malta para tudo", como diria o saudoso Cunha Serrão! 

Para a história do Arte do Tejo e do estranho mundo da arqueologia rupestre em Portugal, aqui fica arquivado, de O. da Veiga Ferreira, "Acerca das chamadas "gravuras rupestres" de Fratel (Portas de Ródão)", in Dolmen, 1, 1973, pp 15-16. Para além, das "teses" defendidas, repare-se na prosa ligeira de OVF, também ela tão típica de um tempo e de uma época da arqueologia portuguesa



Um desencantado apelo à revolta no Douro

in Público, 27 Agosto 2008

Claro que Gaspar Martins Pereira não nos pede que choremos! Ou que apenas lamentemos as incúrias e os malefícios do centralismo, as perversões democráticas, as mediocridades reinantes, ou que denunciemos mais um qualquer jogo de interesses na voragem política do momento. Para mim, o seu artigo é antes um grito d'alma de alguém que já não acredita e por isso formula... um grito de revolta! Sem mais. Apoiado!

Levamos séculos de lamentos, a prazo há sempre alguém que vai anunciando que o país não é viável, mas lá se vai andando. Quando hoje me deliciava, ainda e sempre, com a mais rija prosa em português vernáculo que é a do alentejano Fialho de Almeida, eis que, palavras postas na garganta de um cruento e imaginário D. Carlos de Bragança, vergado ainda ao peso do ceptro e do arminho, tropeço nesta pérola: "Aos que pois me lançam em rosto a dinastia mórbida de D. João IV e descendentes, contraporei essoutras de políticos inábeis, de gentis-homens cínicos, de burguesia sorna e de plebe sem vergonha, que é a história da sociedade portuguesa de há trezentos anos para cá. Povos e reis, podemo-nos dar as mãos pelo conjunto homogéneo que fazemos, repartir quinhões iguais na glória de havermos feito deste rectângulo de paisagem um dos manicómios mais típicos da degenerescência humana em desfilada prá demência" (Os Gatos, Vol. 17). Bom, eu não chego a tanto, mas lá que apetece, isso apetece!!

Dizia Ramalho Ortigão, em diatribe anti-republicana referindo-se à gestão de uma das democracias parlamentares que então nos servia de modelo (a França), que nela só havia dois partidos: o dos "satisfeitos", governantes e sua corte de interesses instalados, e o dos "descontentes", cujo chefe, Boulanger, atingiu tal popularidade na capitalização do descontentamento, que tinha consigo a França! Claro que Ramalho fustigava a nossa República nascente que então procurava legitimar-se, depois de, muito apropriadamente, alguém se ter encarregue da remoção sangrenta do rei.
 
Isto, afinal, lembra-me qualquer coisa, até porque em Portugal, um século andado, continua a haver apenas os tais dois partidos singulares (o resto é paisagem não classificada) que já tiveram até o cuidado de, convenientemente, terem removido sem dor as ideologias dos seus pré-programas eleitorais.

E que tem isto a ver com o Douro, a linha do Tua e a actual polémica instalada de sucessivos acidentes-incidentes e o pré-anúncio de mais uma barragem? É que afinal não mudámos assim tanto! E esta história do Tua - caminho de ferro, barragem, Património Mundial -  é mais um sinal da perversão democrática em que vivemos onde, aqui com mais ou menos dor, a gente do partido dos satisfeitos, lá vai conseguindo levar as águas para donde mais lhes convém. E os outros lá vão protestando, com mais ou menos indignação...
 
Só espero que esta estória do último acidente-incidente do Tua não acabe como o avião do Sá Carneiro ou o assassinato de D. Carlos, perdida nas "brumas da memória" e nos ensimesmados caminhos ínvios da justiça e dos inquéritos sem conclusão ou com decisão combinada em voto parlamentar. Ao primeiro, porque morto em acidente/atentado/atentado/acidente/atentado com um avião, vá de agarrar-lhe no nome e dá-lo a um aeroporto; ao segundo, assassinado como uma fera no Arsenal de Lisboa, a República fez dos seus assassinos (sem mandantes/com mandantes?) figuras elogiadas em museu. E no Tua? Sai mais uma barragem pr'a mesa do canto e depois um museuzinho para mostrar como era lindo aquele vale e que trabalhão dera construir aquela ferrovia nos idos de oitocentos!!??

Uma barragem num rio é como um trombo numa veia.


terça-feira, 26 de agosto de 2008

Um guia de visita à arte paleolítica da Europa Ocidental

BAHN, Paul G.: L'Art des Cavernes. Guide des grottes ornées de la période glaciaire en Europe. Infolio éditions, 2007, CH-Golion, 224 p., ill. (www.infolio.ch)

Com data ainda de 2007, que assinala as últimas actualizações, foi editado há poucos meses este excelente guia de visita aos sítios de arte paleolítica da Europa Ocidental abertos ao público. Existe uma edição original em inglês, titulada "Cave Art" (Ed. Frances Lincoln), e outra traduzida para francês, esta das Éditions Infolio e que é a que aqui apresento. Ambas edições têm um grafismo rigorosamente idêntico.

O autor, Paul G. Bahn, apresenta-se na sobrecapa como "um arqueólogo independente, escritor, tradutor, homem de rádio e de televisão". Mas entre os iniciados na arte paleolítica é bem conhecido pelos seus trabalhos de rigorosa divulgação, quer sobre arte glaciar, quer sobre arqueologia em geral. O seu manual "A very short introduction to Arcaheology", foi traduzido no passado ano para português. Será mais conhecido do meio universitário que se interessa por arte de época glaciar, pelo seu "The Cambridge Illustrated History of Prehistoric Art" (1998), na sequência da "Journey through the Ice Age", que assinou com J. Vertut. Mas deve destacar-se o seu papel enquanto coordenador da equipa que descobriu e estudou as cavidades decoradas de Creswell Crags, nomeadamente Church Hole, as primeiras grutas com arte paleolítica descobertas na Grã-Bretanha. Foi (e continua sendo) um dos grandes defensores e divulgadores da Arte do Côa, cujos sítios amiúde visita, quer em expedições de divulgação, quer acompanhando os nossos trabalhos de campo saciando a sua sempre sedenta curiosidade sobre as principais novidades que vão surgindo no Côa, que considera e com razão, "uma arte fora do comum" (p. 205)!
 
Este guia, uma edição ao estilo livro de bolso ainda que em capa dura, é uma obra de grande utilidade, pois é a primeira vez que aparece uma publicação que pontualiza todos os sítios com arte paleolítica, quer em gruta, quer ao ar livre, que estão convenientemente abertos ao público, com visitas guiadas e documentação variada. Há, evidentemente outros guias de grutas decoradas mais antigos, como os de Sieveking e Sieveking, de Vialou para França e de Nougier e Jordá, todos de características diferentes deste, já que Bahn, um incansável viajante, quis fazer uma obra rigorosa e essencialmente prática para os dias que correm... Por isso, nela não faltam os horários de abertura dos sítios, os telefones locais, os sítios web, os preços de entrada, as particularidades de cada sítio e os conselhos para cada tipo de visita, onde se come ou não melhor na região e... se é ou não permitido fotografar as obras rupestres (o que é interdito na maior parte das grutas, como se compreende, mas não no Vale do Côa).

Após uma curta introdução com alguns conselhos práticos para quem pretenda visitar a arte das grutas, apresenta-se uma breve síntese sobre as características da arte paleolítica, com uma particular incidência nas principais teses explicativas da mesma, e de onde, curiosamente, está praticamente expurgada a "explicação xamânica". Mas quando Paul Bahn afirma que "Aucune explication ne peut à elle seule rendre compte de la totalité de l'art de la période glaciaire" (p. 31) é, evidentemente, aos recentes defensores do xamanismo como teoria global a que Bahn se refere! O que é bem verdade! E isto é Bahn no seu melhor! Recorde-se aliás, a vivíssima polémica que o autor travou com Jean  Clottes a propósito dos seus trabalhos com David Lewis-Williams e da transposição das explicações xamânicas da arte dos San para as grutas paleolíticas europeias. Mas isso é toda uma outra história. Que ainda assim aflora na dúvida metódica sobre a atribuição às fases antigas da arte paleolítica de "todas as sofisticadas pinturas da gruta Chauvet" (p. 18).

São seguidamente descritos e ilustrados 51 sítios com arte paleolítica abertos ao público (e alguns são apenas museus com arte móvel ou fragmentos decorados de paredes), assim distribuídos: Inglaterra - 1; França - 24; Espanha - 20; Portugal - 2 (Escoural e Vale do Côa); e Itália - 4.

Como se sabe, em Portugal apenas o Escoural e o Vale do Côa têm visitas guiadas, embora haja outros sítios com arte paleolítica abertos a visitas públicas, mas não guiadas, como é o caso do Poço do Caldeirão, no Zêzere, ou o cavalo glaciar do Ocreza (sítios que um destes dias aqui apresentarei mais demoradamente). Há uma ou outra imprecisão nas sínteses de sítios, por exemplo na datação Solutrense do Escoural (p. 201), claro que isso é normal num guia com estas características. Mas o que me interessa ressaltar é louvar o autor pela sua capacidade de síntese e a paciência em coligir toda a informação relevante para cada sítio, o que, no seu conjunto, tornam este livro num guia de extrema utilidade.

Se, como afirma Paul Bahn, "visitar uma gruta do período glaciar é um imenso privilégio" (p. 8) no século XXI, não o será menos podermos hoje peregrinar pelos sítios paleolíticos do Vale do Côa na sua ambiência natural. Por isso, louvando o autor pelo guia que escreveu, não poderia também deixar de lhe dar daqui o meu abraço de agradecimentos pelo seu contributo quando se tratou de salvar a Arte do Côa.

domingo, 17 de agosto de 2008

Côa, la rivière aux mille gravures

Ou também "Côa, o rio das mil gravuras".
O filme foi apresentado em finais de 2007, já passou por três vezes na nossa RTP 2 (e também na Cinemateca Nacional), foi adquirido por muitas televisões pelo mundo fora e participou em vários festivais de cinema documental científico, onde ganhou pelo menos 4 grandes prémios. Por tudo isso, não queria deixar de arquivar aqui a sua edição em DVD que, aparentemente, não está nos nossos circuitos comerciais. Mas pode ser adquirida em França e pela net, pois tem uma edição internacional.



É uma parceria luso-francesa, com realização de Jean-Luc Bouvret e produção de Gabriel Chabanier. E foi feito com grande paixão e saber-fazer, com um longo tempo de gestação que pudemos acompanhar ao longo de anos no Vale do Côa. 
E, para aguçar o apetite de quantos sentem e vivem as coisas do Côa, posso também afirmar que Jean-Luc Bouvret prepara um novo filme, desta vez uma espécie de história política do Vale do Côa (as tais gravuras paleopolíticas da discórdia...). Por onde passarão os principais actores políticos e "energéticos" (e também arqueológicos) de meados da década de 90, ao tempo da polémica do Côa. Que tal retumbância teve pelo mundo fora e tantas paixões gerou, a ponto tal que, 13 anos depois, um realizador francês, que se tornou um grande amigo do Côa, resolveu contar por imagens esta história ao mundo. Tendo em atenção a qualidade e o sucesso do seu primeiro filme sobre o Côa (que também poderia ter-se chamado Uma Aventura Arqueológica, pois é disso que trata) e sabendo-o já um conhecedor profundo da grande e pequena história do Vale do Côa, não duvido da valia que terá mais esta sua realização. Obrigado Jean-Luc.

Jean-Luc Bouvret no remanso pós-repasto da inolvidável Quinta de Ervamoira
Foto: Autor não identificado

Em filmagens no corte do Fariseu.
Foto: AMB

Em filmagens sob o sol tórrido da Penascosa
Foto: Manuel Almeida

E à procura de efeitos especiais na noite da Penascosa
Foto: AMB

A sempre muito difícil logística do Vale do Do Côa
Foto: AMB

Jean-Luc Bouvret frente à ensecadeira do Côa, resto simbólico de uma história interminável
Foto: AMB

Edição das ACTAS do III Congresso de Arqueologia de Trás-os-Montes, Alto Douro e Beira Interior


É do domínio da psicologia das nações: um mal nunca vem só! 
Como uma boa parte do país, também a arqueologia nacional vive um forte momento de crise: de afirmação (como se ainda o necessitasse!), de financiamento (um factor crónico, típico de país inviável em planeta globalizado) e de criação (este o mais grave, mas que decorre do resto).
Contra todas as expectativas, conseguiram editar-se em tempo útil as Actas do III Congresso de Arqueologia de Trás-os-Montes, Alto Douro e Beira Interior - Diálogos no Vale do Côa, cujas sessões públicas se realizaram entre 15 e 20 de Maio de 2006, distribuídas por vários concelhos da área do Côa (Vila Nova de Foz Côa, Figueira de Castelo Rodrigo e Pinhel). Com financiamento da Comissão de Coordenação da Região Centro e dos municípios envolvidos, a quem se agradece. 
Estão distribuídas por 4 volumes que se guardam em caixa de cartão cartonado:

No prefácio ao I (e II) volume(s), o nosso amigo Dr. Emílio Mesquita, Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, deixa-nos dois desafios: que a arqueologia (o património em geral e o Vale do Côa em particular), mais do que "deleite científico-cultural" (que sempre será!), se transforme na base do desenvolvimento sócio-económico sustentado da região; e que nos abalancemos à organização de um "Congresso Internacional de Arqueologia nesta Região". Quanto ao segundo aspecto, embora como acto isolado, já em 1999 o então Instituto Português de Arqueologia aqui organizara um congresso que reuniu gente de todos os sítios com arte pré-histórica Património da Humanidade, onde causaram sensação as histórias e vivências dos dois aborígenes australianos que aqui aportaram! Mas nunca é tarde para repegar na ideia, acarinhá-la, estruturá-la e dar-lhe de novo corpo. Talvez agora com a organização de colóquios internacionais temáticos, um pouco à semelhança da maneira como estas Actas aparecem organizadas. Mas claro que aceitamos o desafio que pode ser um dos temas dinamizadores do novo Museu do Côa. 

Mas...! Qual será o modelo de gestão do Museu do Côa e da sua interligação com o Parque Arqueológico? Foi o próprio Emílio Mesquita que ainda há dias numa entrevista alertava (e bem) para o facto de não valer a pena abrir-se o Museu, caso não estejam bem estudados e ordenados aqueles aspectos! "Para que não criemos aqui um novo elefante branco"! No que concordo em absoluto. Portanto, mãos à obra que o tempo urge!

Temos evidentemente ponderado a continuação destes Congressos em boa hora iniciados já há muitos anos a partir do voluntarismo de António Sá Coixão e mais recentemente co-organizados pelo PAVC e CNART. Praticamente sem meios, como é apanágio em horizontes lusos. E claro que se justificará reordenar estes congressos internacionalizando-os mais, mas apenas numa base de sustentabilidade, integrando-os na própria dinâmica das investigações regionais (e mesmo nacionais) usando para isso aquilo que os homens do marketing chamam a "marca Côa". E então aí a arqueologia entrará como uma das bases do tal "desenvolvimento sócio-económico". 
Olhando para o estado do país e da arqueologia, direi que falta muito para lá chegarmos. E o primeiro aspecto que há que curar é o tal do domínio da psicologia. Tratemos da doença mental que a todos parece corroer, do derrotismo e laxismo que nos rodeia e partamos para outra.

Para quem se interesse pela investigação pluridisciplinar que por aqui se vai ainda fazendo, pois aí estão as Actas: 















quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Siega Verde (Espanha) na rota do Vale do Côa


Siega Verde, no Águeda, um afluente do Douro, é o mais importante e denso conjunto de arte paleolítica de ar livre em Espanha. Em alguns aspectos pode quase dizer-se que é um prolongamento da Arte do Côa, com a qual se gemina em determinados particularismos: alguns temas da fase antiga e um bom lote de incisões de traço simples ou múltiplo genericamente do período Magdalenense, são talvez o que mais aproxima estes dois sítios arqueológicos. Mas é também muito o que os separa, como não podia deixar de ser em dois grandes sítios rupestres da Meseta ocidental.

Isto justifica plenamente que o governo espanhol e a Junta de Castilla y León tenham em curso um pedido de classificação do sítio à UNESCO, como Património da Humanidade, considerando-o uma "extensão de Foz Côa", o que em linhas gerais mereceu o meu apoio, na altura enquanto director do Centro Nacional de Arte Rupestre. É também nesta base que o Parque Arqueológico do Vale do Côa e os responsáveis do Património Histórico da Junta de Castilla y León têm neste momento em curso uma série de projectos conjuntos visando a valorização e difusão de ambos os nossos patrimónios rupestres.

Provando-se que o diálogo entre os dois lados da fronteira não pode ser palavra vã nestas regiões do interior peninsular, o Parque Arqueológico do Vale do Côa, com o apoio da Junta de Castilla y León e da Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa (que nos cedeu um autocarro), promoveu ontem (dia 12) uma visita aberta à população de Foz Côa ao sítio de Siega Verde. E para mim é sempre um prazer voltar a Siega Verde e partilhar a amizade e o profissionalismo dos seus guias e responsáveis.
 
Embora Siega Verde tenha muito menos visitantes do que Foz Côa (não mais de 4.000/ano contra os nossos quase 20.000/ano), e pese embora o sítio seja muito acessível por se encontrar ao lado de uma estrada que vem (ou vai) de (ou para) Ciudad Rodrigo, nem por isso os investimentos na conservação da arte rupestre e na sua divulgação foram estancados. Pelo contrário, após a construção e abertura de uma Aula Arqueológica (Centro de recepção e interpretação), a área de dispersão das gravuras, algumas centenas de metros ao longo da margem esquerda do Águeda, foi inteiramente vedada e aqui foi instalado, devido à sua fácil acessibilidade e aos inúmeros grafitos recentes, um sistema de videovigilância. E assim terá que ser, ainda que numa das mais deprimidas regiões de Espanha, no que aliás também se irmana com Foz Côa, em Portugal!

Sem as torreiras típicas dos nossos verões, a brisa ajudou ao sucesso da visita:

A Aula Arqueológica, dominando os sítios de arte rupestre, acolhe os visitantes à chegada a Siega Verde. Construída há poucos anos (e tão feia como a fachada da sede do PAVC!), será em breve inteiramente reformulada.


Maria de Jesus Sanches que se juntou ao grupo de Fozcoenses, na sua primeira visita a Siega Verde, posa ao lado dos "paleolíticos do Águeda".

E também a Delfina, uma guia do PAVC, não resiste ao apelo desta impagável figura. Vá lá saber-se porquê, mas os visitantes adoram fazer-se retratar com estes bisonhos figurões! 

Modelo da placa de sinalização dos sectores com gravuras

A guia Ketty explica os segredos de um dos mais interessantes painéis de Siega Verde, com uma das raras figuras de lobo (canis lupus) da arte rupestre peninsular, aqui gravado no interior de um auroque

Vista do sector central de Siega Verde com a ponte rodoviária em fundo

Grupo 1 de fozcoenses

Construída nos anos 20 do século passado, a ponte assenta um dos pilares centrais sobre um grande painel decorado com gravuras, que assim se viu segmentado por uma obra de engenharia moderna. Mas, na altura, não houve qualquer notícia ou registo da arte rupestre que assim foi mutilada.

A explicação de Ketty da gravura de cervídeo aposta numa concavidade vertical de um bloco de xisto, que seria escolhida para símbolo do sítio

Dois aspectos do painel 21 no interior dos "restos de uma antiga marmita de gigante", segundo Alcolea e Balbín.



Alguma documentação sobre o sítio arqueológico:

A completa monografia de Javier Alcolea e Rodrigo de Balbín, editada há 2 anos pela Junta de Castilla y León, que faz a síntese de quase 20 anos de pesquisa em Siega Verde. É o mais completo tratado sobre este importante sítio de arte paleolítica ao ar livre.

Guias de campo para acompanhamento das visitas:




Fotos: AMB
com os meus agradecimentos a Ketty, ao Carlos e restante pessoal que nos proporcionou esta visita a Siega Verde.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Parque Arqueológico do Vale do Côa: a festa dos 12 anos


Claro que tudo pode ser pretexto para a festa! E no último fim de semana, a coisa transferiu-se para Freixo de Numão. Onde, de colaboração com a sua sempre disponível Associação Cultural e Desportiva de Freixo, lá organizámos uma visita guiada à exposição "A Arte que o Côa Guarda", ora na Casa Moutinho, com uma sessão da oficina de arqueologia experimental do PAVC a cargo do muito didáctico Pedro Nuno. Que a todos soube cativar, mesmo com a tinta um pouco esmaecida na mão positivada.
A noite terminou com um alegre e demorado jantar, livre de talheres (e bem coordenado por Rosa Jardim com o Alves e o pessoal da ACDR), na estação arqueológica do Prazo, onde o Jorge Sampaio (é o outro, não o ex-presidente) soube, com a mestria habitual, preparar a base "paleolítica" de seixos aquecidos onde as carnes iam grelhando. Em fundo, a animação, também ela com uma sonoridade que se pretendia bem "paleolítica", correu a cargo do imaginativo Jorge Ribeiro mai'lo seu grupo de improvisados gravettenses (ou serão magdalenenses?). E onde brilhou o impagável Sá Coixão, a alma viva, de há muitos anos já, da animação arqueológica regional, hoje uma componente indispensável de qualquer trabalho de investigação e sustentabilidade em arqueologia.
Aqui vão algumas passagens congeladas digitalmente desse fim de dia e noite entrada. A benefício de um concelho onde a arte rupestre está viva e se recomenda!




Foto: Alexandra Lima
















Fotos: AMB