terça-feira, 20 de outubro de 2009

Novos livros: André Santos, "Uma Abordagem Hermenêutica - Fenomenológica à Arte Rupestre da Beira Alta: o caso do Fial (Tondela, Viseu)


É o volume XIII dos Estudos Pré-Históricos, do Centro de Estudos Pré-históricos da Beira Alta (Viseu), da autoria de André Tomás Santos e acabou de sair, ainda que com data de 2008.
E trata-se de uma obra rara no contexto da nossa arqueologia rupestre. Desde logo porque se trata de um trabalho monográfico, profundamente pensado e isso é sempre de louvar. E também porque o autor (meu querido amigo e antigo colaborador do CNART, como se sabe, e aqui está também a minha declaração de interesses, como agora se diz) cumpre o que promete. Desde logo apoiado num sólido conhecimento da bibliografia arqueológica pertinente, mas também alicerçado numa base filosófica, cujos conceitos maneja como um profissional da matéria. Entre a hermenêutica (em especial de Ricoeur para o seu modelo textual, mas também de Eco) e a fenomenológica de Heidegger (e os seus tão caros Mundos vivenciais), aqui e ali com um cheirinho marxista. O que é obra!

Mas para além dessa base teórica bem sustentada, a que se poderá apenas contrapor o excessivo vigor com que o autor defende a sua "dama" (mas isso também se deverá à sua própria juventude, afinal ao seu Dasein), é também de registar o notável esforço metodológico e de rigor que foi imprimido a todo o trabalho de descodificação arqueológica propriamente dita (a percepção arqueológica do lugar).

Por tudo isto, o autor não se coíbe de "interpretar", ultrapassando a "geração estruturalista" para quem a forma parecia ser mais importante do que o conteúdo. Mas a quem reconhece virtualidades que contribuíram afinal para o aboutissement fenomenológico. E nesse aspecto, André Tomás assume-se como um verdadeiro pós-estruturalista, aqui pescando o que esta escola teve de importante na identificação das permanências, conferindo simultaneamente às estatísticas um rigor mais do que filosófico.

Aspectos pouco comuns em trabalhos deste tipo e que, por isso mesmo, não deixarão de fazer história na escassa bibliografia rupestre nacional.

Faltou dizer que este brilhante estudo de arqueologia rupestre foi a dissertação de Mestrado do autor, apresentada e defendida na Universidade do Porto em 2004.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Museu do Côa 04 - Museu Nacional de Arte Pré-Histórica







O Museu do Côa, em fase de instalação, é uma importante peça de arquitectura, com uma implantação notável no alteado ângulo da junção do Côa com o Douro. Obra de Pedro Pimentel e Camilo Rebelo, uma jovem e imaginativa dupla de arquitectos do Porto, a quem a arquitectura regional a partir de agora fica a dever esta emblemática criação.

Mas o Museu é muito mais do que a sua arquitectura e envolvente (ainda que isso seja muito, mas muito importante, como é aqui o caso) e não havendo em Portugal outra obra com esta dimensão telúrica inteiramente dedicada à nossa arte pré-histórica, bom seria que se ponderasse a sua classificação como Museu Nacional, independentemente do modelo de gestão que vier a ser adoptado. À semelhança, por exemplo, do que fez a França, com o seu Museu Nacional de Pré-história, localizado na aldeia de Les Eyzies, no coração de uma das mais significativas regiões ricas em testemunhos da pré-história antiga europeia.

Não há em Portugal (e duvido que algum dia isso possa vir a acontecer) uma região com a riqueza e a qualidade sublime da arte pré-histórica do Côa. E temos neste momento esta integradora peça de arquitectura já implantada no coração do Côa. Está longe de Lisboa e do Porto, e de Braga e de Coimbra e ainda mais do Algarve, é verdade. Mas também por isso mesmo deve pensar-se que este novo Museu merecerá essa dignidade. Ainda que pensada no tempo longo...

© Fotos: AMB (Canon G10)

Associação dos Arqueólogos Portugueses "Em Defesa do Vale do Côa"

Passado que está o longo intermezzo eleitoral, que também no Vale do Côa deixou as suas marcas, em particular pelo resultado nas autárquicas locais que desta vez deram a vitória ao PSD, é tempo de voltar a repensar-se o Museu do Côa.

A AAP aprovou no passado dia 16 o seguinte comunicado - transcrito do blog http://atribunadocarmo.wordpress.com/ com o qual nas suas linhas gerais se concorda:

EM DEFESA DO VALE DO CÔA

Tendo em conta as declarações do Ministro da Cultura, António Pinto Ribeiro, em 29 de Agosto de 2009, aquando de uma visita técnica ao Museu do Côa, em que propôs a criação de uma sociedade anónima para a gestão do património que lhe está associado, várias foram as dúvidas e preocupações que se levantaram junto da comunidade arqueológica sobre a natureza do modelo de gestão e o futuro do vale do Côa. Com efeito, este património é um recurso de excepcional importância, mas muito sensível e não renovável, que não pode ser gerido como uma mera mercadoria que importa rentabilizar de imediato e a qualquer preço.

A Associação dos Arqueólogos Portugueses, reunida em Assembleia-Geral no dia 16 de Outubro de 2009, considera, assim, que a Arte do Côa, pela sua importância internacionalmente reconhecida enquanto Património da Humanidade, deverá inequivocamente ser gerida por um serviço dependente da administração central. O Estado é o primeiro e principal responsável pela conservação, estudo e divulgação deste património, não só perante o país, também perante a comunidade internacional, responsabilidade que não pode ser em caso algum alienada.

Esta posição não invalida o envolvimento de outras entidades, públicas e privadas, de âmbito internacional, nacional, regional e local, nomeadamente autarquias e associações cívicas, em projectos e iniciativas desenvolvidos pelo Museu do Côa e pelo Parque Arqueológico do Vale do Côa.

Considera-se, por outro lado, que a Arte Rupestre é a razão essencial da existência do Museu do Côa e do Parque Arqueológico do Vale do Côa, que devem constituir uma única entidade.

Dada a importância excepcional da Arte Rupestre do Côa, a Associação dos Arqueólogos Portugueses propõe, assim, ao Ministério da Cultura que promova a discussão pública deste processo, pois o mesmo só poderá ser levado a bom termo com a mobilização e o envolvimento de todas as pessoas e entidades interessadas na preservação e valorização de um património que a todos pertence.

A Associação dos Arqueólogos Portugueses alerta ainda as entidades responsáveis para a necessidade absoluta de manutenção do acesso controlado a um recurso muito sensível, até porque uma percepção adequada da maior parte das gravuras requer uma visita acompanhada de um guia devidamente preparado para o efeito, tal como acontece nos poucos sítios de Arte Rupestre Paleolítica ainda abertos ao público em toda a Europa. Nestas circunstâncias, o desejável aumento do número de visitantes, deverá basear-se no gradual aumento do número de guias qualificados e dos veículos disponíveis, e não na construção de novas estradas e na abertura descontrolada do acesso às gravuras, para visitas rápidas e superficiais, não geradoras de emprego e de mais valias para a região.

Lisboa, Museu Arqueológico do Carmo, 16 de Outubro de 2009

sábado, 3 de outubro de 2009

Helena Matos e o Vale do Côa

"Recordo que em 1994 se anunciava que 300 mil turistas iriam anualmente rumar a Foz Côa para conhecerem as ditas gravuras. O país então achava-se tão rico que deitou alegremente fora o dinheiro já investido na barragem. Alguém que questionasse a desmesura deste êxtase místico com as inscrições do Côa e o desprezo por aquelas outras que simultaneamente eram submersas em Alqueva era tratado no mínimo como troglodita. No Côa apareceram poucos turistas e não consta que algum deles tenha aconselhado a experiência a quem quer que fosse. Na míngua de turistas encomendaram-se filmes que foram justificados como a derradeira tentativa de chamar a atenção internacional para o Parque Arqueológico de Foz Côa e construiu-se o museu..."
Helena Matos, Público, 1 de Out.'09, p. 37

A citação é longa mas justifica-se, pois esta opinativa inimiga de estimação do Vale do Côa não perde uma oportunidade. Os considerandos são sempre os mesmos e de nada serve desmenti-los. Da mesma maneira que Miguel Sousa Tavares episodicamente traz à liça os disparates de Bednarik dos idos de 95, sempre apresentados como verdades absolutas da "modernidade" do Côa, também Helena Matos regurgita ontem, hoje e amanhã, as suas verdades feitas sobre o deslavado turistame em Foz Côa e de como tratámos mal (!!??) as gravuras afogadas de Alqueva.

Sendo uma colunista tão ciosa das suas verdades (porque tão repetidas) apenas testadas em prosa de imprensa (a "ciência" do diz que disse), e como não acredito que alguma vez tenha visitado o Vale do Côa, pois daqui lhe deixo o convite para que o visite com olhos de ver e ouvidos disso mesmo. Com ou sem museu e com ou sem arte contemporânea (isso é toda uma outra história). Mas não se esqueça que o Parque Arqueológico não tem capacidade para receber todos os turistas que o visitam sem marcação. Convém por isso inscrever-se previamente, já que deverá querer fazer uma visita anónima. E se quiser perder uma tarde a ler as opiniões de alguns dos muitos turistas que por aqui foram passando, seguramente que levará muito que (re)pensar. A propósito, já viu (leu) o Fugas de hoje? Por acaso um suplemento do mesmo jornal em que escreve e que dois dias depois acaba por desmentir a sua prosa envenenada através da "fascinante experiência" da visita nocturna à Penascosa. E ainda por cima recomenda e aconselha...

Só lamento que, conhecendo muito bem o processo Côa e não tendo já muita paciência para este tipo de opinião não fundamentada (ela sim troglodita), e lendo estas mentirolas apresentadas sempre de uma forma tão escorreita e empinada, terei de dar um grande, muito grande, desconto às suas opiniões sobre a outra matéria de facto sobre que por'í vai perorando. É que o politicamente incorrecto quando não devidamente fundamentado é tão inócuo como o outro, o correcto. E acaba por ter o mesmo efeito. Ou seja, nenhum!

domingo, 13 de setembro de 2009

Novos livros:Arte Prehistorico al aire libre en el Sur de Europa. Actas

Recolhem-se nestas Actas (Ed. Rodrigo de Balbín), a maioria dos textos das conferências apresentadas no Curso titulado "Arte rupestre al aire libre: investigación, protección y difusión" que teve lugar entre 15 e 17 de Junho de 2006 em Salamanca, promovido pela Consejería de Cultura da Junta de Castilla y León, que também edita. Uma publicação que tardava e que agora surge finalmente, ainda que com data de edição de 2008.

É um grosso e rico volume de 500 páginas, que se constitui como a mais recente e documentada síntese em particular da arte paleolítica de ar livre peninsular, mas também com algumas reflexões sobre a arte esquemática e seus mundos paralelos.
Embora com alguma informação datada, como a dos inventários da arte do Côa entretanto já ampliados (e também já publicados), é no entanto uma obra de referência pela riqueza dos diversos contributos e pelas diferentes perspectivas de análise metodológica.
E neste particular gostaria de destacar o texto de Primitiva Bueno, Rodrigo de Balbín e Javier Alcolea sobre o "Estilo V" que pretende caracterizar o ciclo da arte da transição tardiglaciar Magdalenense/Epipaleolítico na bacia do Douro (Foz Côa e Siega Verde entre os sítios maiores), datável entre c. de 11 500 e 9 000 BP [destaque para a aproximação a estas datas das cronologias absolutas do nível 4 do Fariseu (Vale do Côa) e da sua arte móvel incisa sobre placas de xisto]. Uma importantíssima reflexão em aberto, independentemente de se concordar ou não com o epíteto de Estilo V, que remete desde logo para os 4 clássicos estilos de Leroi-Gourhan para a arte das grutas e que hoje perderam muita da sua actualidade. De qualquer forma, um debate para o qual a continuação do estudo da arte do Côa, em particular do seu "santuário 2", será determinante.
Um dos mais importantes painéis inserível neste horizonte de transição da arte paleolítica para o mundo esquemático é precisamente a rocha 16 do Vale de José Esteves, cuja réplica será exposta no Museu do Côa - já que o original só é verdadeiramente acessível a "iniciados".

Novos livros em arte paleolítica: Creswell Crags



Coordenado por Paul Bahn e Paul Pettitt, em edição da English Heritage 2009, foi há pouco publicada a esperada monografia das gravuras de Creswell Crags, quase todas incisas na pequena cavidade de Church Hole, o primeiro sítio com arte parietal plistocénica até agora descoberto nas Ilhas Britânicas (revelado em 2003). E não foi uma descoberta casual, mas antes um projecto pensado, conduzido e apoiado por autênticos especialistas em arte paleolítica, nomeadamente Michel Lorblanchet. Não havia de facto razão plausível para que a arte paleolítica não se tivesse expandido até às Ilhas Britânicas. E mais sítios aí aparecerão.

Após análises extremamente difíceis e minuciosas em paredes muito erodidas e irregulares, são identificados e agora publicados 25 motivos incisos, que os autores consideram como tendo morfologia glaciar (Magdalenense). E alertam para as dificuldades que tiveram de ser ultrapassadas neste tipo de levantamentos rupestres, considerando-se (e bem a nosso ver) que é preferível deixar de fora os casos duvidosos, do que publicarem-se desenhos erróneos que apenas irão introduzir ruído nos debates sobre as temáticas paleolíticas e as suas tabelas de dispersão. E nisto nos irmanamos, nesta necessidade de rigor na análise da arte rupestre - e não só na paleolítica.

O estudo de Creswell Crags é aliás exemplar pelo debate que originou sobre a metodologia dos levantamentos em arqueologia rupestre, concluindo-se que é fundamental o conhecimento pluridisciplinar muito aprofundado quer dos sítios em análise, quer da "maneira" de trabalhar (o estilo, a técnica, a forma de elaboração, o espírito do tempo...) dos próprios artistas. Tudo afinal o que sempre defendemos (e praticamos) no Vale do Côa.

A cultura nos debates

Saúde-se o regresso da política. Mas foi confrangedor assistir a esta cruzada maratona debatística entre candidatos e candidatos-presumíveis a primeiro-ministro que há pouco terminou nas televisões por entre os habituais (e quase imbatíveis) truques retóricos de José Sócrates e uma inenarrável Ferreira Leite sem chama, sem alma, sem programa... E sabem que mais? Não me lembro de ter ouvido uma vez que fora em quase 10 horas de conversas cronometradas, falar-se de uma qualquer ideia ou projecto(zinho) para a Cultura em um próximo quadriénio. Onde encaixa nisto o Museu do Côa?

domingo, 30 de agosto de 2009

Museu do Côa 03


Fotos: AMB//29AGO'09

Em finais do século passado houve em Portugal um referendo à regionalização. Uma coisa mal amanhada e pior cozinhada e daí o seu chumbo em urnas, mas votei a favor. Voto que repetiria hoje, pese embora o interior seja o que é, despovoado, inculto e descapitalizado. Mas ainda assim com muita gente interessante! Por isso sou também adepto de uma gestão descentralizada do Museu do Côa e das diversas áreas protegidas do país, embora reconheça a dificuldade (e os riscos) que tudo isto encerra. Mas, também por isso, desde sempre optei por trabalhar no interior do país.
É verdade que, aproveitando o balanço da reorganização da arqueologia nacional em finais da década passada e fruto da batalha do Côa, quando conseguimos que fosse criado um serviço com dimensão nacional devotado ao estudo da nossa arte rupestre, lutei para que ele ficasse sediado em terras do interior e assim o CNART acabou por ficar em Vila Nova de Foz Côa. Sem apoio político, morreu na primeira oportunidade e o seu contributo para a "invenção" do museu do Côa não foi sequer ontem lembrado nos discursos de circunstância na visita do Ministro da Cultura às instalações do futuro museu. E, no entanto, sem o CNART não haveria discurso museológico consequente neste museu...

O Ministro da Cultura passou dois dias, creio que bastante agradáveis, no Vale do Côa. Tive todo o prazer em acompanhá-lo e explicar-lhe a importância mundial do ciclo artístico paleolítico do Côa. Homem inteligente, certamente não lhe terá escapado que esta história do Côa ultrapassa a pequenez do país. E as soluções para a gestão que se quer renovada do Parque Arqueológico do Vale do Côa e agora do seu museu anexo, que brevemente será inaugurado, não são fáceis em tempos de magras vacas, nem saltam facilmente de dentro de uma qualquer cartola. Como se verá nos meses que aí vêm.

Vale do Côa: Felizmente há luar

Público, 29 de Agosto 2009

Público, 30 de Agosto 2009

Desculpem-me os leitores , mas a silly season não aconselha qualquer comentário.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Bednarikadas

Os que memoram a grande e a pequena história do Vale do Côa reconhecerão em Robert Bednarik um dos seus mais encarniçados detractores. Uma singular e auto-enfática personagem que nunca deixa por mãos alheias a defesa das suas mais espampanantes teses sobre a modernidade dos gravados de Foz Côa, já que aparentemente ninguém o levará a sério - o que ele próprio tenta ingloriamente psicanalisar no seu textinho de 2008 citado adiante.

Dois textos recentes deste australiano impenitente trazem de novo à colação a problemática do Côa com o seu cotejo de originais considerandos eivados de forte e proclamada "cientificidade" (lá voltamos ao pastiche da microerosão na macieza dos xistos!), embora o argumentário continue a ser o mesmo e empastelado arrazoado de lugares-comuns, mesclado de algumas mentiras e semi-verdades. E desta vez, não contente em continuar a denegrir a arte do Côa (e a arqueologia portuguesa no seu todo), ignorando intencionalmente a evidência arqueológica que ali foi e vem sendo demonstrada, RB atira-se a Siega Verde, considerando que as suas gravuras não poderão ter mais de dois séculos!! E isso com muito boa vontade, dizendo confiar mais nas suspeições e saber popular dos aldeões de Castillejo de Martin Viejo (a aldeia perto de Siega Verde), do que nas deduções e ciência arqueológica dos que estudaram a arte rupestre presente no sítio! É pois um verdadeiro encontro de aldeões tamanha conclusão.

Tudo isto está agora de novo contido nos artigos "Fluvial erosion of inscriptions and petroglyphs at Siega Verde, Spain" [Journal of Archaeological Science, 36 (2009), 2365-2373]; e "Lecture Nº 4, Mistakes in Pleistocene archaeology" (Semiotix Course 2008, sepª de 12 p.). Que evidentemente não vou aqui escalpelizar (outra vez? não!), mas não posso deixar de assinalar, chamando a atenção para a original história da evolução da salvação e estudo da arte do Côa na visão de Bednarik (num capitulozinho da Lecture) e onde (imagine-se) sobressaiem uma bela e um monstro. Que não serão difíceis de identificar, mesmo para quem não se der ao trabalho de passar os olhos por essa visão humorística da longa batalha do Côa. Concedendo ao monstro uma verdadeira arte da prestidigitação na rústica ciência com que geriu todo o processo e na mistificação com que enganou, não meio-mundo, mas quase todo um mundo (excepto, é claro, Bednarik e talvez algum dos seus lusos amigos).

É verdade que o Vale do Côa sofre de um pecado original, ainda e sempre assombrado pelo fantasma da barragem do Baixo Côa. E isto tudo inquina, como aliás se tem visto em episódios de tramitação recente. A que se somam as enquistadas diatribes de Bednarik, acobertadas nas páginas de revistas que se pretendem científicas. E para quem a arte do Côa não ultrapassará os 400 anos - com uma ou outra coisa, diz o homem, que chegará ao Neolítico, e isto lembra-me o discurso corrosivo de Veiga Ferreira sobre a arte do Tejo, onde era tudo moderno excepto uma rocha do Neolítico perdida nos xistos de Fratel!! mas que, como foi afogada, entrou no olvido.

Claro que esta polémicazinha de segunda ordem que Bednarik pretende reacender, não tem hoje direito a títulos gordos e parangonas de imprensa, mas não deixa de ser um nostálgico remanescente dos idos de 95 e pela pena de quem ao tempo se oferecia já à companhia de electricidade para "demonstrar" que tudo aquilo era moderno e assim... a barragem podia avançar.

Quanto aos auroques do Côa (e de Siega Verde), tornam a ser touros de lide espanhóis (Spanish fighting bulls). E os cavalos são domésticos e bem arreados, tudo por entre centenas de inscrições modernas (onde? onde?). E a estória dos líquenes? Um verdadeiro conto da carochinha, agora de novo remontado por Bednarik... para verdadeira ilustração das criancinhas!!

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Futebol e Arte do Côa. Da relatividade da arte.

Gosto de futebol, mas não sou doente da bola. E sempre que posso e a dolência se impõe, lá vou lançando o olho a uns tantos lances de jogo-jogado (como por aí se diz) que as televisões hoje transmitem ad nausea.
Pois há dias chamou-me a atenção uma pirueta futeburlesca-circense de Cristiano Ronaldo (uma espécie de finta de calcanhar - muito trabalho, muito trabalho!), passada e repassada à exaustão, e que mereceu do televisivo comentador encartado o epíteto de "obra de arte"! Que o homem depois repetia, afirmando que "é mais outra obra de arte" do "nosso" CR, hoje amado e endeusado e digno e... tudo o que vocês quiserem... representante de Portugal. Certamente pela riqueza acumulada a poder de chuto, o madrileño CR9 é hoje (infeliz ou felizmente?) talvez o mais conhecido representante do rectângulo. E pelos vistos um fazedor de "obras de arte"... com os pés. O que, não sendo original (lembram-se dos artísticos cartões de Natal pintados com os pés?), não deixa de ter a sua piada, já que afinal hoje parece poder ganhar-se mais riqueza e fama com os pés do que com a cabeça...

Eu sei que definir arte é quase uma tarefa vã, tanto e tudo hoje ali cabe. E certamente que as piruetas e passes milimétricos de CR para muito boa gente são "obras de arte", ainda para mais regiamente pagas quanto socialmente reconhecidas!

Mas o que separa afinal as "obras de arte" de Cristiano Ronaldo, dessoutras, para mim (e já agora também para uns tantos maduros que acham que aquilo são mais do que vulgares rabiscos) mais autênticas e sensíveis, plasmadas há milhares de anos nas rochas que marginam o Vale do Côa? Ou dos nossos próprios desenhos que as decalcam (obrigado Fernando pelo teu talento nesta missão tão pouco valorizada e miseravelmente remunerada) e dessa forma mais facilmente as transmitem ao gozo e fruição das gentes do presente?
Aparentemente tudo, mas mesmo tudo, as separa! Desde logo na aceitação popular - mas o mesmo toque de calcanhar de um vulgar jogador de uma vulgar equipa, já não é para esse mesmo comentador uma "obra de arte", talvez por não ter assinatura à altura. Eu sei que a arte não está, estando. E é a emoção que nos alcandorou a reis da criação. E na arte tudo se contém, até a relatividade do efémero.

Considerando-se que afinal tudo isto, alguns chutos e passes de CR e as gravuras do Côa são "obras de arte" de pleno direito (e nem outra coisa poderiam ser porque nestas coisas não há meio-termo), porquê tal distinção na valorização social e no reconhecimento de ambas as "instalações"?

E se CR nos bate largamente aos pontos (e aos contos que agora são euros), não é chegado o momento da Unesco classificar também as "obras de arte" de Cristiano Ronaldo como Património da Humanidade? E bastaria isso para em próximo concurso televisivo CR destronar Salazar do título patético que lhe atribuiu a RTP1 de "maior português de Portugal"? E com isso lavarmos a manchada honra do convento?

quarta-feira, 8 de julho de 2009

+ Planos para o Vale do Côa!

Assisti hoje à tarde a uma curiosa sessão de endeusamento maravilhado das gravuras do Côa. Sem direito a perguntas/comentários e é pena. Prepara-se então o terreno... mas Foz Côa tem um problema, um grave problema, tem um clima chato e o verde aqui não é de esperança, é de desafio...
Sob encomenda da Associação de Municípios do Vale do Côa, a Augusto Mateus & Associados apresentou o "seu" Plano Estratégico de Promoção Turística do Vale do Côa. Onde se descobre (maravilha fatal da nossa idade) que afinal são as gravuras do Côa e as paisagens envolventes a única coisa que fará sair Vila Nova de Foz Côa e os outros 9 municípios vizinhos (bem esticados de Mogadouro ao Sabugal) do subdesenvolvimento turístico onde têm vegetado! Por culpa tão-só dos competentíssimos arqueólogos que fizeram (e bem, diz-se) o trabalho que tinham que fazer, mas que agora há que entregar a gestão turística da coisa a outros e mais credenciados profissionais de outros ramos. Está certo! Então não é que os arqueólogos parece quererem as gravuras só para eles!!?? Até os filhos tarde ou cedo dos pais se eclipsam...

Mas esta malta acredita mesmo nisto?
E eu que passei até à exaustão os últimos 12 anos em afanosas, poliglotas e gratuitas explicações in loco sobre as maravilhas da arte pré-histórica do Côa. O tempo que eu perdi nisto. Já tinha publicado mais 2 ou 3 livros sobre o caso (é o que sobra da espuma das noites) e afinal andava era por aí a contribuir para afastar os turistas. Mas afinal o que andaram a fazer os tipos do turismo? Aprenderam ao menos alguma coisa?

Eis então aqui o tão falado e desejado modelo de gestão do futuro Museu do Côa e, já agora, do seu anexo Parque Arqueológico. Gestão ou congestão do território?

Porquê esperar mais? Proponho então que se entregue, e já, o Parque e o Museu (não, não é a maravilha de que Augusto Mateus hoje falava, mas isso são outros contos) à benemérita Associação de Municípios do Vale do Côa, se abram já a público todos os sítios por onde se espalham as gravuras (as velhas e as novas que aí virão) e se encerre já este ciclo medonho de tantas desgraças arqueológico-turísticas. E se comecem desde já a contar os (também eles) endeusados e endinheirados turistas. Para que de uma vez se faça stop à desertificação demográfica de todos os concelhos desta raia do subdesenvolvimento. Culpa também dos arqueólogos, claro, que partam rápido para outras andanças... eu por mim, sempre "nómada e vagabundo", estou pronto para marchar... com muita história para contar!

E, claro, a Augusto Mateus & Associados cumpriu a encomenda, embora essa coisa de se dizer que isto é assim como que uma espécie de exclusivo...

domingo, 28 de junho de 2009

João Nicolau de Almeida, um amigo do Vale do Côa

João Nicolau de Almeida, anfitrião em Ervamoira


As cores e a geometria variável de Ervamoira

Num recente"Hora de Baco" da RTP-N, o meu amigo João Nicolau de Almeida dissertava sobre a "sua-nossa" Quinta da Ervamoira (antiga Quinta de Santa Maria, na Muxagata) como só ele sabe, caracterizando o Duas Quintas, um dos grandes vinhos da região demarcada do Douro, e de como a criação paterna do mítico Barca Velha lhe serviu afinal de inspiração e modelo para agora nos oferecer estoutro magnífico fruto de Baco.
Ora a Quinta de Ervamoira domina a envolvente do axis-mundi da Arte do Côa que congrega os sítios geminados de Penascosa e Quinta da Barca. Esta esplendorosa quinta alonga-se entre a Quinta da Barca e a foz da Ribeira de Piscos e é proprietária da sua excepcional rocha 24, onde se guardam algumas das obras-primas da arte paleolítica do Côa.
Justamente endeusado o vinho, JNA não se coíbe de planger um sentido e pungente lamento de como o Parque Arqueológico do Vale do Côa - onde se insere de pleno direito a Ervamoira - foi abandonado, quase totalmente abandonado por Lisboa. O seu lamento à incúria e o abandono político a que tem sido votado o património rupestre do Côa é uma farpa que prolonga seguidamente na indefinição do modelo de gestão e sustentabilidade do Museu do Côa, com abertura programada para os próximos meses.

Sei que é sentido este lamento, pois João Nicolau de Almeida é um dos grandes conhecedores do Douro vinícola e um apaixonado pela arte rupestre (sempre o impressionou a sua grande antiguidade) que lhe envolve as vinhas de Ervamoira. Esteve connosco desde a primeira hora nas batalhas em defesa da salvação da arte rupestre, o que significou também a salvação das suas vinhas de Ervamoira que seriam irremediavelemnte engolidas pelo regolfo de Foz Côa. E daí a cumplicidade que sempre tivemos na junção destes dois patrimónios que conjugam afinal o futuro da região.
Mas JNA vai mais longe e interroga-se se o abandono a que o "sistema" tem votado o Vale do Côa, não esconderá afinal a secreta esperança de um dia destes um qualquer governo mais descabelado voltar a repegar no projecto da abandonada barragem do Côa!! Coisa que a espaços aflora na imprensa, nomeadamente na prosa de cronistas nos limites do terrorismo verbal.
Não creio, meu caro João Nicolau, que enquanto Portugal se mantiver um país nos limites do que se entenda por civilização, qualquer governo, por mais voluntarista, se atreva a tal afronta cultural. Se fomos um exemplo mundial ao pararmos uma barragem para salvar sítios rupestres, seríamos novamente exemplo, mas desta feita na senda de talibans anti-budistas, destruindo intencionalmente o nosso mais falado Património da Humanidade. Claro que a damnatio memoriæ do Vale do Côa começou logo em 1995, mas penso que temos conseguido resgatá-la, ainda que a sua valorização esteja para já nos antípodas da materialidade civilizacional. E o abandono do PAVC é mais fruto do habitual desleixo português (salvou-se o sítio, deixá-lo agora ficar para ali...) e da famigerada e negra incúria financeira a que os projectos de cultura têm sido votados, como aliás o PM José Sócrates ainda recentemente reconheceu.
Há que seguir lutando pela valorização dos sítios do Vale do Côa, um sublime património que só os ignorantes poderão subestimar. E os meus parabéns ao teu cada vez mais apurado Duas Quintas...

O Director-Geral da UNESCO, Senhor Koïchiro Matsuura,
assina o Livro de Honra da Quinta de Ervamoira, durante
a sua recente visita ao Vale do Côa, em 21 de Maio passado.

Fotos: © AMB

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Manuela Ferreira Leite e o Vale do Côa

Ana Lourenço é uma excelente entrevistadora política da SIC-Notícias. Depois de, na passada semana, ter transmutado o animal feroz em manso cordeirinho (ou de PM a candidato a PM), esta noite a sua ternura (incisiva) trouxe ao de cima uma líder do maior partido da oposição no seu melhor (o que não é fácil). E no meio da argumentação política, ouviu-se - pela primeira vez que me conste - uma opinião de MFL sobre o Vale do Côa.
E qual seja essa opinião?
Pois para justificar que não é assim tão estranho que, caso o PSD chegue de novo ao poder, MFL vá parar para repensar as grandes obras públicas em trânsito, vulgo TGV, aeroporto de Alcochete, nova ponte sobre o Tejo e novas auto-estradas (infelizmente as novas barragens parece serem coisas adquiridas), já que o mesmo terá feito Guterres ao chegar a PM em 95, mandando suspender... a barragem de Foz Côa.
E Ferreira Leite acrescentava ainda, em abono deste miraculoso exemplo, que haveria para Foz Côa (leia-se as gravuras) outras "soluções culturais" que não terão sido tomadas em conta! Não disse quais, mas não será difícil imaginá-las, embora de culturais não tenham nada: que se tivessem cortado as pedras gravadas, como sugeria a EDP; que se tivessem feito réplicas de todos os painéis historiados (!!); ou que se tivessem metido e embalado os painéis paleolíticos no interior de redomas transparentes que seriam visitadas com a ajuda de pequenos mini-submarinos (parecia ser uma das soluções caras a Mira Amaral)!!!; ou ainda, pura e simplesmente, que se tivesse construído um museu e fazer por esquecer definitivamente o condenado vale - o verdadeiro museu!
Claro que tudo isto pressupõe um grande desconhecimento da realidade rupestre de Foz Côa (mais de 900 rochas historiadas e a ambiência paleolítica irremediavelmente escaqueirada!!), e... o amor-próprio que tarde ou cedo os povos acabarão por ter destas coisas "culturais" e de que há abundantes exemplos por essa Europa fora. Seja ele ou não auto-sustentado. Mas adiante.

Por outro lado, não foi feliz MFL ao comparar a paragem de um projecto como o da barragem de Foz Côa por óbvias razões culturais e de defesa dos sítios rupestres, mas também de prestígio internacional do país, com a suspensão das actuais e citadas grandes obras públicas por manifesta falta de sustentação financeira e de grande endividamento público, como parece também óbvio e nem os mais encarniçados apoiantes do governo em funções conseguem justificar.
Por este naco de entrevista ficámos assim a saber que provavelmente MFL, a ser um dia PM, poderá repensar o projecto da barragem do Côa que eventualmente poderá ser construída caso a consolidação orçamental um dia destes, por milagre dos deuses (que não os pré-históricos), possa ser atingida.
Não duvido que MFL possa chegar a PM de Portugal, tantos são os erros cometidos por este governo - não é a oposição que ganha eleições, são os governos que as perdem, relembram constantemente os analistas. Mas desejo sinceramente que nesse hipotético dia possa estar melhor informada sobre o caso Côa e o não misture nesta trapalhada em que se transformou o debate sobre a famosa consolidação orçamental tão cara a todos os políticos respeitáveis. Ou não fossem eles os principais responsáveis pelo enorme buraco negro em que todos continuamos mergulhados. Pese enorme os colossais fluxos financeiros que desde há mais de 20 anos a União Europeia para aqui foi canalizando...

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Curso de Verão no Vale do Côa e em Siega Verde



Dando continuidade às boas relações que vimos mantendo com a Junta de Castilla y León na organização de várias actividades entre Siega Verde e o Vale do Côa, decorrerá entre 1 e 5 de Julho o primeiro destes cursos de verão. Será subordinado à temática "Métodos e técnicas de estudo da arte rupestre": 2 dias de trabalho em Siega Verde e 2 dias de trabalho no Vale do Côa. O curso será inteiramente financiado pela Junta de Castilla y León.
Recorda-se que Siega Verde tem neste momento pendente de análise junto da Unesco a sua candidatura a Património da Humanidade como extensão do Vale do Côa.

Museu do Côa 02

O Ministro da Cultura, Pinto Ribeiro, em entrevista a Mário Crespo na Sic-Notícias, acaba de levantar uma ponta do véu: o Museu do Côa será inaugurado antes das eleições e funcionará em rede com o Museu do Douro. E esperemos que com outros museus, nomeadamente fora de Portugal e em particular de sítios com arte rupestre Património da Humanidade. Ou seja, este conceito de rede deve ser entendido com a necessária abrangência.


Colóquio Internacional Património e Desenvolvimento


A quem interessar, é este o resumo da minha comunicação a este Colóquio, que decorrerá em 30 de Junho (Trancoso) e 1 de Julho (Vila Nova de Foz Côa:

A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA. Vale do Côa entre passado e presente

A invenção da descodificação do passado pré-histórico é uma conquista do século XIX, que para isso inventa uma nova ciência, a arqueologia pré-histórica. O darwinismo não permitia alternativas.

No século XX, o tempo dos excessos, o passado torna-se cada vez mais presente. Mas que passado? O dos mitos fundadores das sociedades contemporâneas que o relativismo histórico (outra conquista oitocentista) não consegue mitigar? Ou o da subversão que o homo turisticus vai impondo em pacotes de circunstância? Ou ainda o passado sistematizado pelo rigor académico, também ele outra forma de subversão dos mundos virtuais do presente? É que há agora uma pluralidade de passados à escolha.

Partindo de alguns exemplos de manipulações da história no mundo antigo e em época contemporânea, apresentam-se algumas reflexões a propósito do estudo de caso de Foz Côa, o melhor exemplo na transição do milénio das dificuldades de construção de uma memória colectiva arcaica no Portugal contemporâneo. Das gravuras paleolíticas do Vale do Côa às gravuras paleopolíticas de Foz Côa, ou as tentativas de damnatio memoriae do homo aesteticus paleoliticus.

sábado, 20 de junho de 2009

Museu do Côa 01





A última vez que passei no aeroporto Sá Carneiro foi há uns meses atrás e para meter a minha filha num avião para Londres (onde já vive há seis anos), com a recomendação expressa de que não pensasse tão cedo em reinstalar-se neste país inchado de medíocres togados e com outros tantos à espreita de ajuramentação. Bom, parece que um idiota qualquer de Foz Côa me terá visto há coisa de 15 dias a enfiar-me aí, eu próprio, meio à socapa, num avião para Paris a expensas e na companhia de gente da Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa!! E para quê? Pois para ajudar a tomar de assalto o Museu do Côa! Ao qual estou ligado desde o primeiro minuto e do qual sou responsável por uma boa parte do seu programa museológico... Estranho... Para o que me havia de dar!!

Pois parece que o Museu do Côa é agora objecto da agiotagem eleitoral em que o país se vai entretendo, enquanto as contas públicas derrapam para um buraco negro de efeitos imprevisíveis e os políticos nacionais e locais se ofendem na praça pública tachando-se uns e outros de incompetentes, mentirosos, rapaces e por'í fora!

No microcosmos de Vila Nova de Foz Côa há uns blogs anónimos onde a malta se deleita, acobardados no anonimato e na impunidade antidemocrática que a Net vai permitindo, em ofenderem a gestão instalada da respectiva Câmara Municipal e quantos com ela se cruzam. E o Museu do Côa, obra pública nacional que muito nos custou a instalar nos arredores da cidade, é agora, e desde já, tema eleitoral.

Mão amiga fez-me chegar a informação sobre uma dessas anónimas postagens em que pela primeira vez desde que aqui me instalei (vai para 13 anos, mas isto é nada para quem cá nasceu ontem...), apareço agregado a um pacote de indígenas que se propõe ajudar o actual Presidente da Câmara, cuja amizade prezo mas por isso mesmo não me coíbo de lealmente afrontar, nunca sob anonimato, sempre que a Arte do Côa esteja em causa, a "tomar de assalto" o Museu do Côa! Passando-o de uma previsível gestão pública, sob o controle do governo central, para uma suposta gestão camarária (pública ou semi-pública), quer através da própria Câmara Municipal, quer através da Associação de Municípios do Vale do Côa.

Ora, se assim o pensasse e nunca ninguém me pediu opinião sobre a matéria (males da não-regionalização), não precisava de me esconder para o defender. Pelo contrário, o Museu do Côa, que se deveria antes passar já a chamar Museu Nacional do Côa, não poderá estar sujeito à contingência das guerrilhas políticas locais e de imponderáveis eleitorais. E daqui alerto todos os fozcoenses bem-intencionados e não-acobardados, do que penso e já o disse ao próprio Presidente da Câmara (conheço demasiado bem todo o processo), é que o Estado central, empurrado pela força das circunstâncias e pela impenitência dos tempos, poderá ser tentado a breve prazo a aligeirar o que considerará o maior "elefante branco" herdado da era Guterres e que é... o Parque Arqueológico e o Museu do Côa! Coisa que evidentemente não será fácil de vender.

Mas nada disto está decidido - que se saiba. E pela prosaica razão de que... não há dinheiro para brincadeiras gestionárias. E as eleições estão à porta. E o futuro é imprevisível (como os independentes).

O Museu do Côa é uma excelente obra de arquitectura (bebida na escola da land-architecture, segundo influência reconhecida pelos seus próprios arquitectos) que se propõe explicar ao visitante interessado o que é isso da Arte do Côa, que muitos mal enxergam e quase todos não entendem. Como tal foi objecto de um programa museológico que se pretendeu pragmaticamente científico, ainda que a museografia vá deixar muito a desejar. Também isso fruto dos tempos. Mas está concebido como um museu aberto, onde a investigação e os novos programas museográficos poderão sempre fazer e refazer.

O que não me passa pela cabeça é que, passada mais de uma década nesta terra onde sempre fui muito bem recebido, apareça agora um idiota anónimo a tentar injectar-me numa qualquer conspiraçãozeca de interior que, quanto mais não fosse, poderia destruir rapidamente as expectativas criadas dentro e fora do país sobre a cúpula de todo o projecto que engendrámos para a defesa da grande Arte do Côa. A próxima etapa seria começar-se já a campanha para a construção da velha-nova barragem de Foz Côa. A troco sabe-se lá de quê... talvez de um mecenato da EDP que suportasse os elevados custos de manutenção e programação do Museu do Côa!

Fotos: © AMB

sábado, 13 de junho de 2009

Lascaux e a Pré-História do Futuro

Aproveitando uns dias de férias e um amável convite da Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, pude cirandar por alguns dos mais emblemáticos sítios de arte parietal do paleolítico europeu. Observando realidades distantes e tão próximas, analisando modelos de gestão... Claro que teria de passar por Lascaux.

Uma visita a Lascaux é sempre uma experiência perturbante para qualquer pré-historiador de arte. Esta gruta, admiravelmente decorada pelo imaginário paleolítico há mais de 17.000 anos, está há décadas (foi redescoberta em 1940) definitivamente inscrita no código genético da cultura ocidental. É provavelmente o mais significativo dos monumentos da nossa arte das origens. Classificá-la de sublime e considerar geniais os seus artistas é dizer pouco, muito pouco. Objecto de inúmeros estudos, ainda hoje surge como uma matéria do espanto e permanece um enigma ao entendimento sistémico da nossa arte fóssil.

Mas é um sítio ameaçado por décadas de ignorância e alguma incúria, muito em especial pelas maciças visitas turísticas das décadas de 40, 50 e até 60 do século passado. Que alteraram irremediavelmente os delicados ecossistemas do interior da cavidade que durante milénios tinham permitido a conservação dos seus admiráveis frescos e inúmeras gravuras (muitas delas reveladas pela paciente minúcia dos levantamentos do Abade Glory). E propiciaram o aparecimento de sucessivas e destruidoras pragas: desde as doenças "verde e negra" de algas e fungos aos actuais "cogumelos assassinos"! E o encerramento definitivo da gruta.

Compreende-se assim, que já em 1984 e frente ao incremento da poderosa indústria turística, tenha sido inaugurada uma réplica fac-similada de parte da gruta original (a Sala dos Touros e o Divertículo Axial, onde se concentram grande parte das pinturas), ela própria elaborada e afundada a cerca de 200 metros da antiga entrada da gruta. E parece estar para breve a (re)elaboração de uma outra réplica fac-similada.

Esta é a entrada actual da gruta original (o próprio sítio é também ele vedado aos visitantes), selada para sempre aos olhares profanos do turismo de circunstância:

Mas ao lado, rodeada por um bem tratado enquadramento florestal, típico de um país
ordenado como é a França rural actual, o acolhimento em Lascaux II é agradável. Os visitantes, encaminhados da histórica aldeia de Montignac, rapidamente se deixam envolver por esta floresta de encantamento, talvez ainda mais agradável em época invernosa.

E no interior de Lascaux II, após uma introdução à ambiência pré-histórica do tempo de Lascaux e uma passagem visual pelas técnicas de execução dos artistas pré-históricos, abre-se a rotunda dos touros e o pequeno corredor do divertículo axial.
Claro que são estas as pinturas que aqui se observam, embora para um leigo a diferença para os originais não pareça perceptível:



Esta é a Lascaux do presente, gerida pela empresa Sémitour Périgord, uma sociedade anónima de economia mista. Que, para além de Lascaux II, gere em pacote também o Gouffre de Padirac (uma das grandes curiosidades geológicas de França), a Gruta do Grand Roc, Le Thot, o Abri Pataud, os Castelos de Biron, de Fenelon, de Monbazillac, de Puymartin e de Bourdeilles, o Claustro de Cadouin, o Castelo e Jardins de Losse e os Jardins de Eyrignac e do Imaginário. Ao visitante interessado é fornecido uma espécie de passaporte e, após quatro visitas a qualquer um destes sítios, é oferecida uma... garrafa de vinho do Périgord.

Como me dizia um amigo das Eyzies, a pré-história hoje vende extraordinariamente em França e é um importantíssimo agente da indústria do turismo e do lazer. E Lascaux II é um dos seus lugares cimeiros. Mas tudo servido por décadas de planeamento e financiamentos articulados, com verdadeiros Ministérios da Cultura, onde as ondas de choque da actual crise mundial mal se sentem. Que é afinal o que falta em Portugal. Extrapolando para o Museu do Côa e os (desconhecidos?!) modelos de gestão em que terá de enquadrar-se, parece faltar-nos ainda quase tudo. Excepto a extraordinária qualidade da Arte do Côa que a muitos em Portugal parece ainda incomodar. Longe das patéticas campanhas de propaganda da EDP das últimas semanas, é tempo de repensarmos seriamente os modelos de gestão do também rico património histórico e arqueológico que guardamos no nosso interior mais recôndito. Temos tanto e tanto nos falta...

Fotos: AMB e BN

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Vº Congresso de Arqueologia do Interior Norte e Centro de Portugal


Começo pelo cartaz, (mais) uma notável obra gráfica da estética depurada de Cristina Dordio, com quem troco cumplicidades artísticas desde os meus tempos da Peneda-Gerês e que não me canso de elogiar. Parabéns Cristina.

De 13 a 16 de Maio corrente, cruzando saberes vários entre Pinhel, Meda, Figueira de Castelo Rodrigo e Vila Nova de Foz Côa, a arqueologia das Beiras (e não só) em revista. Numa organização (mais uma) do Parque Arqueológico do Vale do Côa, da ACDR de Freixo de Numão (com o impagável Sá Coixão, uma força viva do Portugal profundo) e da APDARC.

Que sítios rupestres abertos ao público ?

A postagem anterior sobre o crime arqueológico de Malhada Sorda, leva-me a deixar aqui uma outra nota sobre um debate que tem atravessado os últimos meses do Parque Arqueológico do Vale do Côa. E que é o da abertura (indiscriminada ou não) de sítios rupestres ao público, sem uma particular espécie de guardaria/e, ou visita guiada - que os tempos estão empobrecidos de capitais e números precisam-se!
Ora, os sítios abertos ao público no Côa são apenas três/quatro (Canada do Inferno, Penascosa e Ribeira de Piscos e a espaços o Fariseu) e nem tudo aqui se mostra por dificuldades várias e manifesta impossibilidade física (gravuras houve que tiveram mesmo que aprender a nadar), desde logo de muitos dos visitantes.
A integração em estudo de alguns sítios rupestres numa hipotética Rota da Arte Rupestre das Beiras sempre sofreu deste percalço. Como mostrar sítios deste tipo (e em particular estações rupestres com frágeis restos pictóricos), salvaguardando eventuais vandalismos que se podem tornar irreversíveis? Há exemplos vários colhidos nas mais diversas regiões do mundo, da Escandinávia à Austrália, onde variam as soluções: da vulgar visita orientada por um guia autorizado (o ideal), à visita sem guia local mas acompanhada por material impresso ou multimedia, à criação de barreiras psicológicas ou físicas, à vedação pura e simples de grutas e abrigos... tudo tem sido ensaiado. Mas uma razão a tudo isto deve presidir e foi isso que encontrei em várias regiões da Escandinávia: apostar no civismo e na cultura dos visitantes. Quem se predisponha a visitar sítios rupestres não deve ir até lá apenas por ouvir dizer, pois, a ser assim, o mais certo é sair dali defraudado. Será isto possível num país com as características de mentalidade e (in)cultura como Portugal? Não creio. Casos como o de Malhada Sorda e outros que aqui tenho denunciado demonstram isso mesmo.
No Côa, a abertura do futuro Museu trará um afluxo de visitantes num primeiro momento e para eles se prepara a abertura de alguns dos 55 sítios rupestres aqui já inventariados. Com muitos problemas à mistura, mas espero que longe da ditadura do facilitismo e do turismo sem maneiras. É bom estar atento.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Um Crime Arqueológico - Vandalismo rupestre 03


Tinha notícia, desde 2002, de duas pequenas rochas perto de Malhada Sorda pintadas com uma temática pós-glaciar, mas nunca pudera visitar o sítio. Na altura, uma informação chegada ao Centro Nacional de Arte Rupestre através de um casal de professores moradores nesta aldeia, dava conta de que na região de Malhada Sorda eles próprios teriam detectado as duas rochas com restos de pinturas eventualmente pré-históricas. Uma equipa do CNART que então enviei ao local confirmava esta informação. 
Não sendo um local ameaçado e estando nós na altura envolvidos no estudo dos achados rupestres do Alqueva, os dois painéis ficaram a aguardar uma melhor oportunidade para o seu estudo, o que pensei fazer nestes últimos dias, integrando este estudo numa comunicação sobre arte esquemática pintada a sul do Douro que na próxima semana apresentarei (com outros colegas) num congresso em Espanha.
Já há algumas semanas atrás (tempus fugit) a mesma professora que então me comunicara este achado me tinha feito chegar a informação de que o sítio fora vandalizado. Mas só hoje pude confirmar da sua veracidade e da sua gravidade.
E o que aqui vi é um verdadeiro CRIME arqueológico. Que aqui denuncio, mas que tentarei levar mais além e se possa aferir de quem foram os seus autores e possam ser punidos em conformidade.
Intencionalmente não deixarei aqui as coordenadas do sítio, para que não sofra mais vandalismos. Apenas direi que se localiza entre Malhada Sorda e Porto de Ovelha (curiosamente a terra de nascimento do actual Procurador-Geral da República). E que é constituído por dois painéis verticais em granito, ambos decorados com pinturas pós-glaciares em tons de vermelho. 
Hoje ainda é possível detectar restos de representações antropomórficas muito esquematizadas. Mas a mais interessante figura do conjunto da esquerda era (e digo era, porque já não é!!) uma figura zoomórfica em estilo seminaturalista, a fazer lembrar algumas das representações do Côa e até do Tejo. Esta figura parece ter representado uma cerva, mas que a presença de uma longa cauda levou inicialmente à sua classificação como um equídeo, o que a tornaria ainda mais rara no contexto da nossa arte esquemático-simbólica. A imagem de 2002 que aqui apresento, acentuada digitalmente em Photoshop, revela uma possível sobreposição de uma linha semicircular na parte traseira do animal, causando essa ilusão. Mas a pequena cabeça perfilada em V, o pescoço fino e o corpo ovalado remetem de facto para a forma tipológica de um cervídeo fêmea. Ora esta figura foi completamente destruída, tendo sido lavada e repicada com a clara intenção de a fazer desaparecer, o que de facto foi conseguido!
Era assim que se apresentava esta figura (destruída em 2008 ?):

Foto: Manuel Almeida/CNART, 2002
Tratamento digital: AMB

A figura anterior localizava-se no sector superior esquerdo deste painel:
Foto: Manuel Almeida/CNART, 2002

Situação actual do mesmo painel, fotografado hoje mesmo:
Foto: AMB/PAVC, Abril 2009

E o sector onde se localizava o cervídeo fêmea seminaturalista, intencionalmente lavado (provavelmente com um qualquer produto químico, o que pressupõe premeditação) e depois repicado, talvez com um pequeno pico metálico. O CRIME foi consumado:
Foto: AMB/PAVC, Abril 2009

E apagados mais de 5.000 anos de história.
 
O local em redor está escaqueirado por uma indústria de corte de pedra que tem revolvido os solos e rebentado os afloramentos graníticos para a obtenção de pequenas pedras para muros e talvez habitações. Aliás toda esta região parece sofrer do mesmo mal, fazendo lembrar um devastado campo de batalha da Iª Guerra Mundial! E tenho a certeza que tudo isto é feito sem qualquer acompanhamento arqueológico. Terá esta indústria lapidadora e depredadora da região alguma coisa que ver com esta intencional destruição de uma figura rupestre, muito provavelmente de idade neolítica?
 
É um CRIME DE LESA-ARQUEOLOGIA que não pode nem deve ficar impune!

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Da Arte Rupestre e do Princípio de Peter


A mediatização dos achados do Côa levou a um recrudescimento dos estudos da arte rupestre em território português. Isso é bom! Mas também levou a uma degradação de muitos desses estudos. E isso é mau!
Consequentemente, et pour cause, a arte do Côa é a que mais sofre com este excesso de ruído. Que, contra as leis da física, não se comporta de acordo com os enunciados da segunda lei da termodinâmica. É ruído entrópico e basta.
Qualquer "investigador" de manual e pacotilha se sente autorizado a dar sentenças sobre os comos e os porquês da arte do Côa e da arte rupestre em geral. Simbólico por simbólico tudo serve para perorar. Não investigando de facto os originais, quais as fontes para tanta sentença que por'í circula? Pois nem mais nem menos que os textos, as imagens e as reflexões de quem realmente investiga! Que são cozidos e recozidos, trabalhados e adjectivados em pretensas e palavrosas teses. E o que é tanto ou mais grave, mal citados ou nem por isso! Se uns roçam o plágio, outros atiram-se mesmo ao dito, sem pejo e como verdadeiros piratas do alheio. E leio frases (conexas ou desconexas), conceitos mal assimilados e não citados, como se saídos do bestunto de tais luminárias arqueológicas.
Bem sei que os tempos são propícios a estas e tantas outras virtualidades. Que a disseminação da informática ajuda. Mas que também permite que rapidamente se pilhe o pilhador. Já experimentei, perante alguns desses palavrosos esforços inglórios, meter frases de textos meus no motor de busca do Google e daí chegar a textos mal paridos que nem sonhava que existissem! às vezes com problemas de tradução. Da vero!
Apesar de tudo, tanto ruído algum rasto vai deixando. E lá voltamos à famosa segunda lei da termodinâmica e suas entropias...

Trabalhei em tempos na área do ambiente com um responsável de um organismo público que tanto se enredava nas suas mentiras que a partir de certa altura as tomava autenticamente como verdades! E sei que assim será também com alguns dos autores de textos que por aí andam, senão como explicar o desaforo? Costumo consolar-me com a máxima de que o Doutor Freud explica tudo... e eu não tenho propensão para PSI. 
Saberá esta gente como se estuda, descodifica e materializa um estudo de arte rupestre? Que começa pela descoberta e redescoberta, passa pelo lento e pausado namoro aos sítios, se prolonga por múltiplas interpretações (mira e remira, desenha e redesenha, fotografa e refotografa...) e se fixa num ou vários textos nunca verdadeiramente terminados? Quase 40 anos que levo disto e nunca me sinto satisfeito com um trabalho meu publicado. Por razões óbvias, imaginem quando encontro algumas desses namoros e reflexões (desenhos, fotos...) pilhados e mal citados? É da natureza humana. Como diria um amigo meu, há gente que não se enxerga!
Por norma abomino a arqueologia livresca em arte rupestre. E acabo a detestar todos quantos a praticam. Ainda para mais quando roçam o plágio assumido ou mal disfarçado. Conheço muito pouca gente que tenha namorado com qualquer das mais emblemáticas (ou não) rochas do Côa. Mas vou infelizmente conhecendo muitos que insistem em dissertar sobre elas. 
Infelizmente a justiça portuguesa, mais lenta que o caracol em dias de cheia, parece ainda andar a espaços entretida com ameaças veladas às muito badaladas pilhagens de música digital e tarda em fazer jurisprudência sobre o saque de textos, fotos e tutti quanti. Tarda a chegar ao mundo da edição e das ideias a aplicação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (Decreto-Lei nº 63/85, de 14 de Março)!
Voltarei a isto.
Entretanto e com os meus agradecimentos a Morris (e ao Raul) pelo retrato, é para este estado desconchavado que me lançam as leituras de alguns dos mexericos que por aí vão sendo publicados sobre a arte do Côa e outras rupestrices...

terça-feira, 21 de abril de 2009

O Vale do Côa na CULTURGEST

Ainda tentámos ter este ano também uma exposição sobre o Côa no Museu Nacional de Arqueologia, mas tal não foi possível por indisponibilidade logística do MNA. 
Ficarão estes encontros na Culturgest - uma iniciativa do Centro de Estudos de Comunicação e Linguagem da UNL, que connosco tem colaborado em aspectos vários da criação do MC - a lembrar que o Museu do Côa irá abrir possivelmente antes das eleições gerais... E que tratarão 
Da Arte (antes e depois da arte), ou seja, da tal Arte das Origens que afinal não precisou de aprender a nadar. Reflexões em tempo de mudança!

segunda-feira, 30 de março de 2009

A Torre de Belém e o Vale do Côa

Na espécie de florida guerra das laranjas actualmente em curso entre algumas das nossas elites culturais do litoral, fruto da ausência de uma clara política cultural do governo Sócrates, os involuntários opositores a um novíssimo Museu dos Coches vão invocando, a seu benefício e para contraditar a ideia de que este atrairia cerca de um milhão de visitantes/ano (!!), uma pretensa boutade que já começa a cansar. A de que alguém (quem? quando? e em que circunstâncias?) teria afirmado que o novo Museu do Côa (este ou o anterior?) atrairia mais visitantes do que os empurrados para a Torre de Belém. A este propósito, deixem-me recordar as páginas que o Público de ontem, 29 de Março, dedicou a este tema (gostei particularmente dos mais de 7 milhões/ano de pastéis vendidos em Belém!), classificado já como "o caso do ano na Cultura", e em particular as palavras de Raquel Ferreira, da empresa turística Cityrama, sobre o porquê de serem os Coches o museu português mais visitado: "Num circuito turístico, o tempo tem que ser todo contabilizado para as pessoas conhecerem o máximo no menor tempo possível. Os Coches vêem-se em relativamente pouco tempo..." Isto na gestão desta empresa do circuito turístico de Belém, que inclui os Coches, os Jerónimos, o Padrão dos Descobrimentos e a Torre de Belém. Tudo, evidentemente, em turismo de pacote, que parece ser o que hoje conta. E factura!
Ora, se por um lado não me recordo de alguém ter invocado tal paralelismo musculado entre o Côa e a Torre de Belém (a que propósito? e em que pacote?), por outro, tal comparação só se justificaria se também o Museu do Côa estivesse a ser erguido na zona de Belém e não num dos confins do Douro, num concelho deprimido e despovoado, longe dos pacotes turísticos da capital! Até não será mau de todo que o Côa possa entrar nestas guerras de números, mas seria aconselhável que o fosse por outras e melhores razões. E, já agora, que esse abstruso paralelismo possa ser ou melhor esclarecido, ou então corrigido por quem abusivamente assim o invoca. 

terça-feira, 17 de março de 2009

Subitamente... + Arte da Idade do Ferro no Sabor

Foto: AMB/Canon G10

O Vale do Sabor, que se saiba, não é um rio verdadeiramente rupestre. Como o são o Côa, o Tejo, o Douro. Mas a espaços surgem, ainda que não em grandes concentrações, painéis com exemplos de arte rupestre de vários períodos. Por isso, a sua prospecção exigiria cuidados especiais. Para que tudo fique convenientemente registado antes da grande inundação.
Como exemplo de alguns desses tipos variados de vestígios rupestres, aqui deixo um painel com gravuras (singelas) da Idade do Ferro, semelhante a muitas das gravuras incisas existentes na envolvente da Foz do Côa, com as quais este conjunto tem evidentes paralelos tecnomorfológicos. E como no Côa são aqui dominantes as representações esteticamente pouco elaboradas de equídeos. Incisões com pátinas aparentemente frescas. 
A arte da Idade do Ferro já era conhecida no Sabor, ainda que rara e em painéis esparsos. A primeira gravura deste período que aqui tínhamos identificado foi o mais esbelto cavalo da Fraga do Fojo num contexto com arte esquemática pintada, cronologicamente de um período anterior. Como o é o povoado que lhe está anexo.
 

Ai Sabor... Baixo Sabor

Hoje dei por mim a tentar antever como serão as nossas paisagens completamente domesticadas daqui por 500 anos! Esqueçamos as desgraças anunciadas do aquecimento global! E de uma antevisão de nova etapa glaciar! Estarão então ainda todos os rios calmos e anafados, golfados de águas lodosas e metros densos de sedimentos, rasgando campos incultos e atravessados por corredores de asfalto abandonados... Uma barragem num rio é como um trombo numa veia...
Passado o ciclo das barragens (com mais ou menos fusão a frio, que me dizem ser um mito da física!), levar-se-ão anos a limpar sedimentos e os rios rapidamente voltarão ao que eram. Mas até lá, as nossas gerações ainda terão de passar pela fase do trombo! Com mais ou menos demagogia política.

Peregrino hoje pelo Sabor, e como, para Yourcenar, "o tempo, esse grande escultor" obriga-me a olhar já para o vale como um náufrago anunciado, um náufrago do século XXI onde os homens do nosso tempo se encarniçam na instalação do trombo!
As explosões que a espaços atroam no vale assim mo recordam.
Com mais ou menos providências cautelares a barragem instala-se, a desmatação avança e a certeza sofrida de que uma ferida atroz rasgará inapelavelmente estas paisagens de maravilha é isso mesmo: uma certeza. Mas ainda há quem pode as oliveiras em campos que são já a imagem da desolação. Sobolo rio de águas calmas... 

Um brincalhão imitou (e muito bem, com linha da vida e tudo!) um veadinho calcolítico, que, ao contrário do imaginário pré-histórico, está assinado em rocha perto da curva do Aguilhão

Este equídeo semiesquemático é mesmo autêntico e fora já há anos identificado por uma equipa do Centro Nacional de Arte Rupestre. Lá se expõe na sua milenar pátina argêntea, perto do santuário de Santo Antão da Barca. Até que a massa líquida tome conta do acontecimento!

Assim como este veado picotado com lascagens tipo "bago de arroz" e, vandalizado vá lá saber-se por quem, e que já em tempos aqui apresentei em desenho e melhor foto:

Mas o Sabor, como que em morte anunciada, vai já poluído por descargas assassinas a montante:

e nada há que pague este vibrantemente poético fim de tarde:


pausa nas ruínas também elas anunciadas de Cilhades:



Fotos: AMB/Canon G10