quinta-feira, 30 de abril de 2009

Um Crime Arqueológico - Vandalismo rupestre 03


Tinha notícia, desde 2002, de duas pequenas rochas perto de Malhada Sorda pintadas com uma temática pós-glaciar, mas nunca pudera visitar o sítio. Na altura, uma informação chegada ao Centro Nacional de Arte Rupestre através de um casal de professores moradores nesta aldeia, dava conta de que na região de Malhada Sorda eles próprios teriam detectado as duas rochas com restos de pinturas eventualmente pré-históricas. Uma equipa do CNART que então enviei ao local confirmava esta informação. 
Não sendo um local ameaçado e estando nós na altura envolvidos no estudo dos achados rupestres do Alqueva, os dois painéis ficaram a aguardar uma melhor oportunidade para o seu estudo, o que pensei fazer nestes últimos dias, integrando este estudo numa comunicação sobre arte esquemática pintada a sul do Douro que na próxima semana apresentarei (com outros colegas) num congresso em Espanha.
Já há algumas semanas atrás (tempus fugit) a mesma professora que então me comunicara este achado me tinha feito chegar a informação de que o sítio fora vandalizado. Mas só hoje pude confirmar da sua veracidade e da sua gravidade.
E o que aqui vi é um verdadeiro CRIME arqueológico. Que aqui denuncio, mas que tentarei levar mais além e se possa aferir de quem foram os seus autores e possam ser punidos em conformidade.
Intencionalmente não deixarei aqui as coordenadas do sítio, para que não sofra mais vandalismos. Apenas direi que se localiza entre Malhada Sorda e Porto de Ovelha (curiosamente a terra de nascimento do actual Procurador-Geral da República). E que é constituído por dois painéis verticais em granito, ambos decorados com pinturas pós-glaciares em tons de vermelho. 
Hoje ainda é possível detectar restos de representações antropomórficas muito esquematizadas. Mas a mais interessante figura do conjunto da esquerda era (e digo era, porque já não é!!) uma figura zoomórfica em estilo seminaturalista, a fazer lembrar algumas das representações do Côa e até do Tejo. Esta figura parece ter representado uma cerva, mas que a presença de uma longa cauda levou inicialmente à sua classificação como um equídeo, o que a tornaria ainda mais rara no contexto da nossa arte esquemático-simbólica. A imagem de 2002 que aqui apresento, acentuada digitalmente em Photoshop, revela uma possível sobreposição de uma linha semicircular na parte traseira do animal, causando essa ilusão. Mas a pequena cabeça perfilada em V, o pescoço fino e o corpo ovalado remetem de facto para a forma tipológica de um cervídeo fêmea. Ora esta figura foi completamente destruída, tendo sido lavada e repicada com a clara intenção de a fazer desaparecer, o que de facto foi conseguido!
Era assim que se apresentava esta figura (destruída em 2008 ?):

Foto: Manuel Almeida/CNART, 2002
Tratamento digital: AMB

A figura anterior localizava-se no sector superior esquerdo deste painel:
Foto: Manuel Almeida/CNART, 2002

Situação actual do mesmo painel, fotografado hoje mesmo:
Foto: AMB/PAVC, Abril 2009

E o sector onde se localizava o cervídeo fêmea seminaturalista, intencionalmente lavado (provavelmente com um qualquer produto químico, o que pressupõe premeditação) e depois repicado, talvez com um pequeno pico metálico. O CRIME foi consumado:
Foto: AMB/PAVC, Abril 2009

E apagados mais de 5.000 anos de história.
 
O local em redor está escaqueirado por uma indústria de corte de pedra que tem revolvido os solos e rebentado os afloramentos graníticos para a obtenção de pequenas pedras para muros e talvez habitações. Aliás toda esta região parece sofrer do mesmo mal, fazendo lembrar um devastado campo de batalha da Iª Guerra Mundial! E tenho a certeza que tudo isto é feito sem qualquer acompanhamento arqueológico. Terá esta indústria lapidadora e depredadora da região alguma coisa que ver com esta intencional destruição de uma figura rupestre, muito provavelmente de idade neolítica?
 
É um CRIME DE LESA-ARQUEOLOGIA que não pode nem deve ficar impune!

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Da Arte Rupestre e do Princípio de Peter


A mediatização dos achados do Côa levou a um recrudescimento dos estudos da arte rupestre em território português. Isso é bom! Mas também levou a uma degradação de muitos desses estudos. E isso é mau!
Consequentemente, et pour cause, a arte do Côa é a que mais sofre com este excesso de ruído. Que, contra as leis da física, não se comporta de acordo com os enunciados da segunda lei da termodinâmica. É ruído entrópico e basta.
Qualquer "investigador" de manual e pacotilha se sente autorizado a dar sentenças sobre os comos e os porquês da arte do Côa e da arte rupestre em geral. Simbólico por simbólico tudo serve para perorar. Não investigando de facto os originais, quais as fontes para tanta sentença que por'í circula? Pois nem mais nem menos que os textos, as imagens e as reflexões de quem realmente investiga! Que são cozidos e recozidos, trabalhados e adjectivados em pretensas e palavrosas teses. E o que é tanto ou mais grave, mal citados ou nem por isso! Se uns roçam o plágio, outros atiram-se mesmo ao dito, sem pejo e como verdadeiros piratas do alheio. E leio frases (conexas ou desconexas), conceitos mal assimilados e não citados, como se saídos do bestunto de tais luminárias arqueológicas.
Bem sei que os tempos são propícios a estas e tantas outras virtualidades. Que a disseminação da informática ajuda. Mas que também permite que rapidamente se pilhe o pilhador. Já experimentei, perante alguns desses palavrosos esforços inglórios, meter frases de textos meus no motor de busca do Google e daí chegar a textos mal paridos que nem sonhava que existissem! às vezes com problemas de tradução. Da vero!
Apesar de tudo, tanto ruído algum rasto vai deixando. E lá voltamos à famosa segunda lei da termodinâmica e suas entropias...

Trabalhei em tempos na área do ambiente com um responsável de um organismo público que tanto se enredava nas suas mentiras que a partir de certa altura as tomava autenticamente como verdades! E sei que assim será também com alguns dos autores de textos que por aí andam, senão como explicar o desaforo? Costumo consolar-me com a máxima de que o Doutor Freud explica tudo... e eu não tenho propensão para PSI. 
Saberá esta gente como se estuda, descodifica e materializa um estudo de arte rupestre? Que começa pela descoberta e redescoberta, passa pelo lento e pausado namoro aos sítios, se prolonga por múltiplas interpretações (mira e remira, desenha e redesenha, fotografa e refotografa...) e se fixa num ou vários textos nunca verdadeiramente terminados? Quase 40 anos que levo disto e nunca me sinto satisfeito com um trabalho meu publicado. Por razões óbvias, imaginem quando encontro algumas desses namoros e reflexões (desenhos, fotos...) pilhados e mal citados? É da natureza humana. Como diria um amigo meu, há gente que não se enxerga!
Por norma abomino a arqueologia livresca em arte rupestre. E acabo a detestar todos quantos a praticam. Ainda para mais quando roçam o plágio assumido ou mal disfarçado. Conheço muito pouca gente que tenha namorado com qualquer das mais emblemáticas (ou não) rochas do Côa. Mas vou infelizmente conhecendo muitos que insistem em dissertar sobre elas. 
Infelizmente a justiça portuguesa, mais lenta que o caracol em dias de cheia, parece ainda andar a espaços entretida com ameaças veladas às muito badaladas pilhagens de música digital e tarda em fazer jurisprudência sobre o saque de textos, fotos e tutti quanti. Tarda a chegar ao mundo da edição e das ideias a aplicação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (Decreto-Lei nº 63/85, de 14 de Março)!
Voltarei a isto.
Entretanto e com os meus agradecimentos a Morris (e ao Raul) pelo retrato, é para este estado desconchavado que me lançam as leituras de alguns dos mexericos que por aí vão sendo publicados sobre a arte do Côa e outras rupestrices...

terça-feira, 21 de abril de 2009

O Vale do Côa na CULTURGEST

Ainda tentámos ter este ano também uma exposição sobre o Côa no Museu Nacional de Arqueologia, mas tal não foi possível por indisponibilidade logística do MNA. 
Ficarão estes encontros na Culturgest - uma iniciativa do Centro de Estudos de Comunicação e Linguagem da UNL, que connosco tem colaborado em aspectos vários da criação do MC - a lembrar que o Museu do Côa irá abrir possivelmente antes das eleições gerais... E que tratarão 
Da Arte (antes e depois da arte), ou seja, da tal Arte das Origens que afinal não precisou de aprender a nadar. Reflexões em tempo de mudança!