terça-feira, 20 de outubro de 2009

Novos livros: André Santos, "Uma Abordagem Hermenêutica - Fenomenológica à Arte Rupestre da Beira Alta: o caso do Fial (Tondela, Viseu)


É o volume XIII dos Estudos Pré-Históricos, do Centro de Estudos Pré-históricos da Beira Alta (Viseu), da autoria de André Tomás Santos e acabou de sair, ainda que com data de 2008.
E trata-se de uma obra rara no contexto da nossa arqueologia rupestre. Desde logo porque se trata de um trabalho monográfico, profundamente pensado e isso é sempre de louvar. E também porque o autor (meu querido amigo e antigo colaborador do CNART, como se sabe, e aqui está também a minha declaração de interesses, como agora se diz) cumpre o que promete. Desde logo apoiado num sólido conhecimento da bibliografia arqueológica pertinente, mas também alicerçado numa base filosófica, cujos conceitos maneja como um profissional da matéria. Entre a hermenêutica (em especial de Ricoeur para o seu modelo textual, mas também de Eco) e a fenomenológica de Heidegger (e os seus tão caros Mundos vivenciais), aqui e ali com um cheirinho marxista. O que é obra!

Mas para além dessa base teórica bem sustentada, a que se poderá apenas contrapor o excessivo vigor com que o autor defende a sua "dama" (mas isso também se deverá à sua própria juventude, afinal ao seu Dasein), é também de registar o notável esforço metodológico e de rigor que foi imprimido a todo o trabalho de descodificação arqueológica propriamente dita (a percepção arqueológica do lugar).

Por tudo isto, o autor não se coíbe de "interpretar", ultrapassando a "geração estruturalista" para quem a forma parecia ser mais importante do que o conteúdo. Mas a quem reconhece virtualidades que contribuíram afinal para o aboutissement fenomenológico. E nesse aspecto, André Tomás assume-se como um verdadeiro pós-estruturalista, aqui pescando o que esta escola teve de importante na identificação das permanências, conferindo simultaneamente às estatísticas um rigor mais do que filosófico.

Aspectos pouco comuns em trabalhos deste tipo e que, por isso mesmo, não deixarão de fazer história na escassa bibliografia rupestre nacional.

Faltou dizer que este brilhante estudo de arqueologia rupestre foi a dissertação de Mestrado do autor, apresentada e defendida na Universidade do Porto em 2004.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Museu do Côa 04 - Museu Nacional de Arte Pré-Histórica







O Museu do Côa, em fase de instalação, é uma importante peça de arquitectura, com uma implantação notável no alteado ângulo da junção do Côa com o Douro. Obra de Pedro Pimentel e Camilo Rebelo, uma jovem e imaginativa dupla de arquitectos do Porto, a quem a arquitectura regional a partir de agora fica a dever esta emblemática criação.

Mas o Museu é muito mais do que a sua arquitectura e envolvente (ainda que isso seja muito, mas muito importante, como é aqui o caso) e não havendo em Portugal outra obra com esta dimensão telúrica inteiramente dedicada à nossa arte pré-histórica, bom seria que se ponderasse a sua classificação como Museu Nacional, independentemente do modelo de gestão que vier a ser adoptado. À semelhança, por exemplo, do que fez a França, com o seu Museu Nacional de Pré-história, localizado na aldeia de Les Eyzies, no coração de uma das mais significativas regiões ricas em testemunhos da pré-história antiga europeia.

Não há em Portugal (e duvido que algum dia isso possa vir a acontecer) uma região com a riqueza e a qualidade sublime da arte pré-histórica do Côa. E temos neste momento esta integradora peça de arquitectura já implantada no coração do Côa. Está longe de Lisboa e do Porto, e de Braga e de Coimbra e ainda mais do Algarve, é verdade. Mas também por isso mesmo deve pensar-se que este novo Museu merecerá essa dignidade. Ainda que pensada no tempo longo...

© Fotos: AMB (Canon G10)

Associação dos Arqueólogos Portugueses "Em Defesa do Vale do Côa"

Passado que está o longo intermezzo eleitoral, que também no Vale do Côa deixou as suas marcas, em particular pelo resultado nas autárquicas locais que desta vez deram a vitória ao PSD, é tempo de voltar a repensar-se o Museu do Côa.

A AAP aprovou no passado dia 16 o seguinte comunicado - transcrito do blog http://atribunadocarmo.wordpress.com/ com o qual nas suas linhas gerais se concorda:

EM DEFESA DO VALE DO CÔA

Tendo em conta as declarações do Ministro da Cultura, António Pinto Ribeiro, em 29 de Agosto de 2009, aquando de uma visita técnica ao Museu do Côa, em que propôs a criação de uma sociedade anónima para a gestão do património que lhe está associado, várias foram as dúvidas e preocupações que se levantaram junto da comunidade arqueológica sobre a natureza do modelo de gestão e o futuro do vale do Côa. Com efeito, este património é um recurso de excepcional importância, mas muito sensível e não renovável, que não pode ser gerido como uma mera mercadoria que importa rentabilizar de imediato e a qualquer preço.

A Associação dos Arqueólogos Portugueses, reunida em Assembleia-Geral no dia 16 de Outubro de 2009, considera, assim, que a Arte do Côa, pela sua importância internacionalmente reconhecida enquanto Património da Humanidade, deverá inequivocamente ser gerida por um serviço dependente da administração central. O Estado é o primeiro e principal responsável pela conservação, estudo e divulgação deste património, não só perante o país, também perante a comunidade internacional, responsabilidade que não pode ser em caso algum alienada.

Esta posição não invalida o envolvimento de outras entidades, públicas e privadas, de âmbito internacional, nacional, regional e local, nomeadamente autarquias e associações cívicas, em projectos e iniciativas desenvolvidos pelo Museu do Côa e pelo Parque Arqueológico do Vale do Côa.

Considera-se, por outro lado, que a Arte Rupestre é a razão essencial da existência do Museu do Côa e do Parque Arqueológico do Vale do Côa, que devem constituir uma única entidade.

Dada a importância excepcional da Arte Rupestre do Côa, a Associação dos Arqueólogos Portugueses propõe, assim, ao Ministério da Cultura que promova a discussão pública deste processo, pois o mesmo só poderá ser levado a bom termo com a mobilização e o envolvimento de todas as pessoas e entidades interessadas na preservação e valorização de um património que a todos pertence.

A Associação dos Arqueólogos Portugueses alerta ainda as entidades responsáveis para a necessidade absoluta de manutenção do acesso controlado a um recurso muito sensível, até porque uma percepção adequada da maior parte das gravuras requer uma visita acompanhada de um guia devidamente preparado para o efeito, tal como acontece nos poucos sítios de Arte Rupestre Paleolítica ainda abertos ao público em toda a Europa. Nestas circunstâncias, o desejável aumento do número de visitantes, deverá basear-se no gradual aumento do número de guias qualificados e dos veículos disponíveis, e não na construção de novas estradas e na abertura descontrolada do acesso às gravuras, para visitas rápidas e superficiais, não geradoras de emprego e de mais valias para a região.

Lisboa, Museu Arqueológico do Carmo, 16 de Outubro de 2009

sábado, 3 de outubro de 2009

Helena Matos e o Vale do Côa

"Recordo que em 1994 se anunciava que 300 mil turistas iriam anualmente rumar a Foz Côa para conhecerem as ditas gravuras. O país então achava-se tão rico que deitou alegremente fora o dinheiro já investido na barragem. Alguém que questionasse a desmesura deste êxtase místico com as inscrições do Côa e o desprezo por aquelas outras que simultaneamente eram submersas em Alqueva era tratado no mínimo como troglodita. No Côa apareceram poucos turistas e não consta que algum deles tenha aconselhado a experiência a quem quer que fosse. Na míngua de turistas encomendaram-se filmes que foram justificados como a derradeira tentativa de chamar a atenção internacional para o Parque Arqueológico de Foz Côa e construiu-se o museu..."
Helena Matos, Público, 1 de Out.'09, p. 37

A citação é longa mas justifica-se, pois esta opinativa inimiga de estimação do Vale do Côa não perde uma oportunidade. Os considerandos são sempre os mesmos e de nada serve desmenti-los. Da mesma maneira que Miguel Sousa Tavares episodicamente traz à liça os disparates de Bednarik dos idos de 95, sempre apresentados como verdades absolutas da "modernidade" do Côa, também Helena Matos regurgita ontem, hoje e amanhã, as suas verdades feitas sobre o deslavado turistame em Foz Côa e de como tratámos mal (!!??) as gravuras afogadas de Alqueva.

Sendo uma colunista tão ciosa das suas verdades (porque tão repetidas) apenas testadas em prosa de imprensa (a "ciência" do diz que disse), e como não acredito que alguma vez tenha visitado o Vale do Côa, pois daqui lhe deixo o convite para que o visite com olhos de ver e ouvidos disso mesmo. Com ou sem museu e com ou sem arte contemporânea (isso é toda uma outra história). Mas não se esqueça que o Parque Arqueológico não tem capacidade para receber todos os turistas que o visitam sem marcação. Convém por isso inscrever-se previamente, já que deverá querer fazer uma visita anónima. E se quiser perder uma tarde a ler as opiniões de alguns dos muitos turistas que por aqui foram passando, seguramente que levará muito que (re)pensar. A propósito, já viu (leu) o Fugas de hoje? Por acaso um suplemento do mesmo jornal em que escreve e que dois dias depois acaba por desmentir a sua prosa envenenada através da "fascinante experiência" da visita nocturna à Penascosa. E ainda por cima recomenda e aconselha...

Só lamento que, conhecendo muito bem o processo Côa e não tendo já muita paciência para este tipo de opinião não fundamentada (ela sim troglodita), e lendo estas mentirolas apresentadas sempre de uma forma tão escorreita e empinada, terei de dar um grande, muito grande, desconto às suas opiniões sobre a outra matéria de facto sobre que por'í vai perorando. É que o politicamente incorrecto quando não devidamente fundamentado é tão inócuo como o outro, o correcto. E acaba por ter o mesmo efeito. Ou seja, nenhum!