Pois há dias chamou-me a atenção uma pirueta futeburlesca-circense de Cristiano Ronaldo (uma espécie de finta de calcanhar - muito trabalho, muito trabalho!), passada e repassada à exaustão, e que mereceu do televisivo comentador encartado o epíteto de "obra de arte"! Que o homem depois repetia, afirmando que "é mais outra obra de arte" do "nosso" CR, hoje amado e endeusado e digno e... tudo o que vocês quiserem... representante de Portugal. Certamente pela riqueza acumulada a poder de chuto, o madrileño CR9 é hoje (infeliz ou felizmente?) talvez o mais conhecido representante do rectângulo. E pelos vistos um fazedor de "obras de arte"... com os pés. O que, não sendo original (lembram-se dos artísticos cartões de Natal pintados com os pés?), não deixa de ter a sua piada, já que afinal hoje parece poder ganhar-se mais riqueza e fama com os pés do que com a cabeça...
Eu sei que definir arte é quase uma tarefa vã, tanto e tudo hoje ali cabe. E certamente que as piruetas e passes milimétricos de CR para muito boa gente são "obras de arte", ainda para mais regiamente pagas quanto socialmente reconhecidas!
Mas o que separa afinal as "obras de arte" de Cristiano Ronaldo, dessoutras, para mim (e já agora também para uns tantos maduros que acham que aquilo são mais do que vulgares rabiscos) mais autênticas e sensíveis, plasmadas há milhares de anos nas rochas que marginam o Vale do Côa? Ou dos nossos próprios desenhos que as decalcam (obrigado Fernando pelo teu talento nesta missão tão pouco valorizada e miseravelmente remunerada) e dessa forma mais facilmente as transmitem ao gozo e fruição das gentes do presente?
Aparentemente tudo, mas mesmo tudo, as separa! Desde logo na aceitação popular - mas o mesmo toque de calcanhar de um vulgar jogador de uma vulgar equipa, já não é para esse mesmo comentador uma "obra de arte", talvez por não ter assinatura à altura. Eu sei que a arte não está, estando. E é a emoção que nos alcandorou a reis da criação. E na arte tudo se contém, até a relatividade do efémero.
Considerando-se que afinal tudo isto, alguns chutos e passes de CR e as gravuras do Côa são "obras de arte" de pleno direito (e nem outra coisa poderiam ser porque nestas coisas não há meio-termo), porquê tal distinção na valorização social e no reconhecimento de ambas as "instalações"?
E se CR nos bate largamente aos pontos (e aos contos que agora são euros), não é chegado o momento da Unesco classificar também as "obras de arte" de Cristiano Ronaldo como Património da Humanidade? E bastaria isso para em próximo concurso televisivo CR destronar Salazar do título patético que lhe atribuiu a RTP1 de "maior português de Portugal"? E com isso lavarmos a manchada honra do convento?
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