Não são fotografias que hoje trago à colação, mas um curiosíssimo artigo de O. da Veiga Ferreira, perdido numa revisteca dos últimos dias do Estado Novo, que hoje é uma curiosidade também ela já arqueológica.
Não houve, aquando do anúncio da descoberta e primeiros estudos das gravuras holocénicas do Vale do Tejo, nenhuma polémica ou qualquer veleidade de salvamento das mesmas, antes se antevia do seu inevitável afundamento sob as águas da barragem de Fratel, o que viria a acontecer no ano da grande Abrilada.
Mas tivemos as nossas polémicas caseiras. E uma delas foi com o impagável O. da Veiga (como então carinhosa e jocosamente se dizia!) que, titulando-se um "prático de geologia" e forte das suas centenas de artigos sobre tudo e mais alguma coisa do mundo arqueológico português, resolveu questionar da antiguidade pré-histórica da Arte do Tejo, nomeadamente do grande sítio de Fratel onde está a famosa rocha F-155. Pois uma sua visita a Fratel e certamente com a frustração de ter talvez peregrinado anteriormente pelas margens do Tejo e nada ter registado com interesse rupestre, levou-o a perorar de cátedra e assim elucidar os "jovens" ingénuos que eram o então grupo de estudantes que descobrira as gravuras, mai'lo seu testa de ferro institucional que era o Dr. Eduardo da Cunha Serrão! A quem todos chamávamos "o Doutor". E vá de escrever este "histórico" artigo onde, apesar de tudo, concede a dignidade neolítica a um painel (era a rocha 72 de Fratel) e em tudo o resto só via corações, datas, nomes, cabras e carneiros!! obrinhas de pastores modernos, ainda assim talentosos, já que alguns desses motivos eram desenhados à maneira pré-histórica! E, fantástica sugestão, até alvitrava que esses pastores tinham utilizado como objectos incisores os tirefondes que iam caindo das linhas de caminho de ferro da Beira Baixa, que passava sobranceira ao vale naquela zona da margem direita do Tejo! Uns tirefondes semelhantes aos que uns miúdos escolares andaram há dias a colher na trágica linha do Tua para gáudio televisivo!
Na altura escrevi um texto jocoso sobre esta tonteria do Veiga Ferreira, mas, não publicado, perdi-lhe o rasto. Recordo-me que lhe chamei "A carga dos tirefondes!" e o título é tudo o que dele resta... Passados anos, num encontro fortuito com Veiga Ferreira nas antigas instalações da então Direcção-Geral do Património e já depois de afundadas as gravuras e publicada uma série de artigos sobre a Arte do Tejo, que então era o nosso mais importante repositório rupestre pré-histórico, ainda o inquiri sobre se consideraria aqueles motivos como todosde factura moderna!? E não é que ele me disse que sim!! Claro que por esses dias, Veiga Ferreira andava a publicar artigos em revistas de muito duvidosa credibilidade, anunciando ovnis entre as pinturas e gravuras das grutas paleolíticas da Franco-Cantábria!
Não sei se Veiga Ferreira morreu com a dúvida metódica sobre a Arte do Tejo, e não deixa de ser curioso o seu paralelismo por exemplo com R. Bednarik que ainda hoje continua a afirmar que as gravuras do Côa foram feitas por moleiros, talvez em época romana! "Ele há malta para tudo", como diria o saudoso Cunha Serrão!
Para a história do Arte do Tejo e do estranho mundo da arqueologia rupestre em Portugal, aqui fica arquivado, de O. da Veiga Ferreira, "Acerca das chamadas "gravuras rupestres" de Fratel (Portas de Ródão)", in Dolmen, 1, 1973, pp 15-16. Para além, das "teses" defendidas, repare-se na prosa ligeira de OVF, também ela tão típica de um tempo e de uma época da arqueologia portuguesa
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