Com data ainda de 2007, que assinala as últimas actualizações, foi editado há poucos meses este excelente guia de visita aos sítios de arte paleolítica da Europa Ocidental abertos ao público. Existe uma edição original em inglês, titulada "Cave Art" (Ed. Frances Lincoln), e outra traduzida para francês, esta das Éditions Infolio e que é a que aqui apresento. Ambas edições têm um grafismo rigorosamente idêntico.
O autor, Paul G. Bahn, apresenta-se na sobrecapa como "um arqueólogo independente, escritor, tradutor, homem de rádio e de televisão". Mas entre os iniciados na arte paleolítica é bem conhecido pelos seus trabalhos de rigorosa divulgação, quer sobre arte glaciar, quer sobre arqueologia em geral. O seu manual "A very short introduction to Arcaheology", foi traduzido no passado ano para português. Será mais conhecido do meio universitário que se interessa por arte de época glaciar, pelo seu "The Cambridge Illustrated History of Prehistoric Art" (1998), na sequência da "Journey through the Ice Age", que assinou com J. Vertut. Mas deve destacar-se o seu papel enquanto coordenador da equipa que descobriu e estudou as cavidades decoradas de Creswell Crags, nomeadamente Church Hole, as primeiras grutas com arte paleolítica descobertas na Grã-Bretanha. Foi (e continua sendo) um dos grandes defensores e divulgadores da Arte do Côa, cujos sítios amiúde visita, quer em expedições de divulgação, quer acompanhando os nossos trabalhos de campo saciando a sua sempre sedenta curiosidade sobre as principais novidades que vão surgindo no Côa, que considera e com razão, "uma arte fora do comum" (p. 205)!
Este guia, uma edição ao estilo livro de bolso ainda que em capa dura, é uma obra de grande utilidade, pois é a primeira vez que aparece uma publicação que pontualiza todos os sítios com arte paleolítica, quer em gruta, quer ao ar livre, que estão convenientemente abertos ao público, com visitas guiadas e documentação variada. Há, evidentemente outros guias de grutas decoradas mais antigos, como os de Sieveking e Sieveking, de Vialou para França e de Nougier e Jordá, todos de características diferentes deste, já que Bahn, um incansável viajante, quis fazer uma obra rigorosa e essencialmente prática para os dias que correm... Por isso, nela não faltam os horários de abertura dos sítios, os telefones locais, os sítios web, os preços de entrada, as particularidades de cada sítio e os conselhos para cada tipo de visita, onde se come ou não melhor na região e... se é ou não permitido fotografar as obras rupestres (o que é interdito na maior parte das grutas, como se compreende, mas não no Vale do Côa).
Após uma curta introdução com alguns conselhos práticos para quem pretenda visitar a arte das grutas, apresenta-se uma breve síntese sobre as características da arte paleolítica, com uma particular incidência nas principais teses explicativas da mesma, e de onde, curiosamente, está praticamente expurgada a "explicação xamânica". Mas quando Paul Bahn afirma que "Aucune explication ne peut à elle seule rendre compte de la totalité de l'art de la période glaciaire" (p. 31) é, evidentemente, aos recentes defensores do xamanismo como teoria global a que Bahn se refere! O que é bem verdade! E isto é Bahn no seu melhor! Recorde-se aliás, a vivíssima polémica que o autor travou com Jean Clottes a propósito dos seus trabalhos com David Lewis-Williams e da transposição das explicações xamânicas da arte dos San para as grutas paleolíticas europeias. Mas isso é toda uma outra história. Que ainda assim aflora na dúvida metódica sobre a atribuição às fases antigas da arte paleolítica de "todas as sofisticadas pinturas da gruta Chauvet" (p. 18).
São seguidamente descritos e ilustrados 51 sítios com arte paleolítica abertos ao público (e alguns são apenas museus com arte móvel ou fragmentos decorados de paredes), assim distribuídos: Inglaterra - 1; França - 24; Espanha - 20; Portugal - 2 (Escoural e Vale do Côa); e Itália - 4.
Como se sabe, em Portugal apenas o Escoural e o Vale do Côa têm visitas guiadas, embora haja outros sítios com arte paleolítica abertos a visitas públicas, mas não guiadas, como é o caso do Poço do Caldeirão, no Zêzere, ou o cavalo glaciar do Ocreza (sítios que um destes dias aqui apresentarei mais demoradamente). Há uma ou outra imprecisão nas sínteses de sítios, por exemplo na datação Solutrense do Escoural (p. 201), claro que isso é normal num guia com estas características. Mas o que me interessa ressaltar é louvar o autor pela sua capacidade de síntese e a paciência em coligir toda a informação relevante para cada sítio, o que, no seu conjunto, tornam este livro num guia de extrema utilidade.
Se, como afirma Paul Bahn, "visitar uma gruta do período glaciar é um imenso privilégio" (p. 8) no século XXI, não o será menos podermos hoje peregrinar pelos sítios paleolíticos do Vale do Côa na sua ambiência natural. Por isso, louvando o autor pelo guia que escreveu, não poderia também deixar de lhe dar daqui o meu abraço de agradecimentos pelo seu contributo quando se tratou de salvar a Arte do Côa.
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