No âmbito do projecto expositivo para o futuro Museu do Côa, foram seleccionadas quatro rochas para serem replicadas. A operação de recolha da informação de campo através de varrimento laser sem qualquer intrusão física nas superfícies gravadas, terminou na passada semana, tendo sido realizada pela empresa espanhola Tragacanto. Aguardamos os resultados.
As rochas foram seleccionadas tendo em conta quer a inegável qualidade estética dos seus motivos gravados, quer essencialmente como ilustração ao discurso arqueológico que está na base do citado programa expositivo. São elas, as rochas 1 do Fariseu, 11 da Canada do Inferno e 3 da Quinta da Barca, todas integráveis cronologicamente na fase antiga do grupo paleolítico do Côa; e ainda a rocha 16 do Vale do José Esteves (um vale adjacente ao Douro perto da foz do Côa), com um notável grupo de incisões do período Magdalenense - fase final da arte paleolítica do Côa. E curiosamente algumas pequenas gravuras da Idade do Ferro sobrepostas às paleolíticas.
Como costumo dizer, o grande Museu do Côa é a própria região monumentalizada pela arte rupestre em diversos períodos num longuíssimo ciclo rupestre que dura c. de 25.000 anos, vindo até aos nossos dias. E, embora não se tenha construído a barragem do Côa que destruiria inevitavelmente grande parte desta arte rupestre, é ainda assim lamentável que uma boa parte das rochas decoradas esteja submersa pelas águas alteadas da barragem do Pocinho (no Douro) que fazem subir as águas do Côa a cotas variáveis até à foz de Piscos. Entre as rochas permanentemente submersas estão duas das seleccionadas e agora a replicar, a 1 do Fariseu e a 11 da Canada do Inferno (agradecemos à EDP o abaixamento pontual das águas no Côa, o que nos permitiu realizar os trabalhos sobre estas rochas). A primeira é bem conhecida pela sua indesmentível importância artística e, acima de tudo, arqueológica, pois é até agora a única rocha insculturada descoberta tapada por sedimentos que nos forneceram uma datação absoluta de 18.400 como uma idade mínima para as gravuras de traço profundo, típicas da fase antiga do Côa. A segunda, no sector submerso da Canada do Inferno, guarda um admirável grupo de auroques em manada, o único sector que replicámos desta rocha muito danificada e mal conservada.
Quanto à rocha 3 da Quinta da Barca, uma superfície também muito degradada, a sua gravura central é talvez a mais reproduzida de toda a Arte do Côa e uma das obras-primas absolutas da nossa arte paleolítica.
Mas o grande desafio a estas réplicas está na rocha 16 de José Esteves onde não há picotagens, mas apenas incisões, quase todas de traço múltiplo, de grande complexidade. É um dos painéis fundamentais para a compreensão da arte do final dos tempos paleolíticos, com a particularidade de aqui se guardar também o melhor grupo de "sinais" paleolíticos até hoje documentados no Vale do Côa
Para além de tudo o que já se disse sobre a grande e a pequena história do Côa, sei que haverá quem pense (e talvez o vá dizer) que, se podemos agora fazer estas réplicas com a mais recente tecnologia laser, poderíamos também replicar todas as outras superfícies decoradas e sobre elas construir a tal barragem da discórdia! Ainda ontem um jornalista me perguntava isto mesmo!
Para prevenir esta situação e para além do trabalho imenso e inútil que seria replicar as milhares de gravuras do Côa - não haveria museu grande para elas todas -, bom será que se saiba que, para além da arte manter uma incontestável relação com a paisagem (mas isso não é tudo!), nenhum país aceitaria afundar o seu Património Mundial. E estas réplicas que agora fizemos são elas próprias um complemento aos desenhos e fotografias que figurarão no museu. E são, acima de tudo, parte integrante do discurso arqueológico que será explanado nas salas do Museu do Côa, não estando os originais acessíveis ao público (e duas delas jamais o estarão em anos futuros porque permanentemente submersas), servindo como uma introdução à explicação do grande ciclo rupestre do Côa, já que será impossível a um visitante, ainda que guiado, percorrer e entender todos os 47 sítios de arte rupestre que já aqui temos inventariado. E de entre todas as gravuras que fosse tentando percepcionar, duvido que conseguisse sequer ver metade delas!
Recolha de dados para a réplica da rocha 1 do Fariseu
Fotos: AMB (Novembro 2007)
Foto: AMB (Julho 2008)
Foto: AMB (Julho 2008)
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