sábado, 11 de outubro de 2008

Obras-Primas da Arte do Côa 04 - Placa da Idade do Ferro do Paço (Vila Nova de Foz Côa)



Esta peça é uma pequena maravilha e será um dos raros originais a integrar as colecções visitáveis do futuro Museu do Côa. Porque é o primeiro exemplar (e até agora único), aparentemente de arte móvel da IIª Idade do Ferro, até hoje identificado no Vale do Côa. Foi encontrado há poucos anos no sítio do Paço, muito perto de Vila Nova de Foz Côa e manteve-se até hoje inédito. A pedra deveria ter estado com a face gravada enterrada por muitos anos, daí o excelente estado de conservação das gravuras, todas obtidas por incisão, na maioria das figuras bem aprofundada.

É uma pequena placa de xisto acastanhado, com menos de dois palmos de largura, achada à superfície, num contexto com cerâmicas de época romana (comuns e sigilatas). O sítio está perto de algumas das grandes estações de arte rupestre da Idade do Ferro na zona da foz do Côa. A placa era de maiores dimensões, pois há uma série de figuras cortadas por fractura, quer na parte direita, quer na zona inferior. Está gravada apenas numa das faces da laje. Também poderia pertencer a um painel rupestre, mas o tipo de lascagem leva-me mais a considerar esta peça como uma placa de arte móvel, tipo ex-voto, o que faz dela uma novidade absoluta no contexto do Côa. Infelizmente, não há sítios da Idade do Ferro escavados na região... 

Nela se contém uma síntese da nossa arte da Idade do Ferro, como se sabe o segundo mais importante ciclo artístico do Vale do Côa/Alto Douro. Guerreiros, montados sem sela, em cavalos conduzidos por arreios ziguezagueantes e aparentemente sem freios, com o armamento típico da IIª Idade do Ferro: lanças ou dardos longos, um pequeno escudo redondo, idêntico ao modelo em madeira descrito por Estrabão para os Lusitanos e um aparente machete ? (um percursor da falcata, na figura inferior). É muitíssimo interessante o modelado interno dos cavalos, idêntico ao exemplar da rocha 6 de Vale do Forno, junto a um guerreiro apeado. A figura inferior direita poderia estar em pé sobre um cavalo, infelizmente quase inteiramente desaparecido.

Um aspecto interessante nestas formas humanas é a sua tipologia com a ausência das clássicas cabeças em bico de pássaro, aproximando-se estas mais dos antropomorfos do sítio do Vale da Casa ou Vale de Canivães.
A tipologia destas figuras poderá ser cronologicamente anterior à dos humanos com cabeças em forma de bico de pássaro. Porém a arte do Ferro está em grande parte por estudar.

Mas uma das mais interessantes figurações desta placa é sem dúvida a de um canídeo montado no dorso de um outro (assim identificado pelo tipo de cauda), tocando-se as bocas. A figura maior parece ter duas cabeças, mas isso também se poderá dever à forma do modelado interno. Mas não se descarta a hipótese de estarmos perante uma representação bicéfala de carácter mitológico, como aliás o será toda a decoração desta notável peça da Idade do Ferro do Baixo Côa.

Fotos: Manuel Almeida (CNART)
Desenho: Fernando Barbosa (CNART)

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