quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O Douro em cartazes


in Jornal de Notícias 4 Fev.09

Não deixa de ser agradável, interessante, mas algo desconcertante, ler as palavras que a anterior Ministra da Cultura deste governo, Isabel Pires de Lima, hoje dedica ao Douro e ao Côa em particular, no seu espaço de opinião do JN.
Concordando na generalidade com as suas premissas e o diagnóstico de situações há muito conhecidas, refuto desde logo a ideia de que o Parque do Côa "se fechou excessivamente sobre si" e daí ser "mal amado dos portugueses". É evidente que sobre tais considerandos paira o fantasma do número de visitantes, já tão abundantemente escalpelizado, explicado e tresplicado!! E como se esse fora o indicador de excelência.
Mais uma vez, deixem-me repetir que o Parque Arqueológico foi criado em primeiro lugar para proteger os sítios rupestres e esse deve ser o primeiro indicador de aferição! 
Foram ou não protegidos os sítios de arte rupestre ? E a resposta só pode ser taxativamente positiva.
Em segundo lugar, e é este o segundo indicador, foram ou não estudados e divulgados os sítios rupestres? Se muito há ainda a estudar (o vale é imenso), creio que, ainda que com parcos meios e custos mínimos, os sítios têm sido amplamente estudados e divulgados, nacional e internacionalmente e o Vale do Côa continua a ser o sítio arqueológico português mais conhecido internacionalmente, nomeadamente por gente que de outra forma nem saberia o que é isso da arte rupestre.
E em terceiro lugar, o tal aferidor de excelência tão compulsivamente manejado em tempos de vacas a pele e osso: tem o PAVC visitantes q.b.? Não, não tem! Poderia ter mais visitantes? Claro que poderia! E com isso teria ou não êxito? Depende do exitómetro evidentemente, e o que eu tenho em uso não me parece que seja o mais consensual nos tempos que correm. Mas, dando de barato, de quem é a culpa por tal situação? Do Parque? Não me parece... porque (e fico-me por aqui): é o Parque amado em Lisboa? Não, não é! E parece que por ter a ousadia de existir...
E pelo que me é dado perceber vivendo há 12 anos quotidianamente no interior do Parque e convivendo com muitos dos que por aqui passam (sejam ou não inventariados como visitantes oficiais!), não conheço "sectores cultivados" das elites nacionais que estejam divorciados das realidades do Parque, em particular depois de começarem a penetrar as extraordinárias performances e criatividades (é assim no plural) dos artistas do Côa! É consolador, mas por vezes é como explicar o futurismo de Amadeu às criancinhas. 
Conheço alguns tipos do contra (todos sabem a quem me refiro) que se fosse feita então a barragem, hoje clamariam provavelmente em defesa das gravuras taxando de ignorantes os governantes da altura! 
E de quantos desses "sectores cultivados" por aqui tenham passado, em todos sentimos que ali vai mais um amigo do Parque e das suas gravuras. E seria interessante que um dia o Parque publicasse um volume com as opiniões que muitos dos visitantes escrevem em letra de forma em cartas pessoais aos nossos guias. Mas basta uma voz en passant, como a do infeliz episódio com o grande ensaísta Eduardo Lourenço, para que caia o Carmo e a Trindade. É que é assim que se faz opinião! 
Conclusão minha (mas será que é correcta?): depois de ter boa imprensa nos primeiros anos de vida (os partos difíceis a isso também conduzem), o Parque, por razões que valeria a pena "prospectar", passou a ter má imprensa! Et pour cause...
Pese embora este desabafo, não posso deixar de confessar-me algo desconcertado mas também grato a Isabel Pires de Lima, por ler nas palavras desta ainda não há muito tempo responsável pelo Ministério da Cultura, a sua consideração de que são as gravuras rupestres do Vale do Côa porventura o bem patrimonial mais importante da nação, a nossa jóia da coroa republicana, nas suas bem medidas palavras. É que foi precisamente a consideração de que isso é bem verdade e que, sendo nós os herdeiros e garantes da transmissão deste extraordinário legado, que aceitei desde os primórdios obscuros desta fascinante história, vir viver para o fim do mundo nacional, porque afinal parece que estava no Vale do Côa a minha ideia de felicidade!
Por fim e não querendo parecer mal agradecido, só lamento que opiniões e diagnósticos patrimoniais como os desta ex-ministra não sejam levados em consequência quando os caprichos da história a alguns empurram para cargos de governação, como foi o seu caso. É que parece que ainda não se descobriu nas sociedades democráticas melhor poiso para os levar à prática e agir em consequência. Obrigado Manuel Maria Carrilho por mais esta lição! 

Já agora, uma pequena correcção: não é o Parque Arqueológico do Vale do Côa que é Património da Humanidade, mas sim os seus sítios de arte rupestre e, em particular, os de arte paleolítica. Na altura não se conseguiu o reconhecimento de paisagem cultural, o que seria parcialmente colmatado pela posterior classificação da paisagem cultural duriense.

1 comentário:

Anónimo disse...

O desconcerto das políticas governamentais do PS e do PSD em relação ao Douro revelam até que ponto Portugal tem sido mal dirigido. Os arqueólogos até conseguem fazer falar os mortos. Mas há milagres impossíveis. O número de visitantes do Parque Arqueológico do Vale do Côa não depende das iniciativas dos arqueólogos, mas da modernização da linha do Douro e na criação de outros bons acessos. E de promoção.
Mas como os políticos portugueses, salvo honrosas excepções, nunca assumem as responsabilidades, com a cumplicidade dos Institutos do Ministério da Cultura e mesmo da Comunicação Social, atribuem a culpa aos arqueólogos que estão no terreno. A Imprensa ou anda confundida ou está comprometida com o poder. Muitos arqueólogos calam-se, esquecendo-se que, mais tarde ou mais cedo, será a sua vez.
Atribuir responsabilidades ao CNART ou ao PAVC, alegando que vivem fechados sobre si, é errado. Em Vila Nova de Foz Côa realizam-se periodicamente congressos, cujas actas têm sido sempre publicadas. Na raia luso-espanhola entre Caminha e Castelo Branco não conheço nenhum centro de produção de conhecimento com a mesma capacidade.
De resto não é de esperar, por ora, que o PAVC tenha muito visitantes portugueses. Por exemplo dos visitantes do Museu do Carmo, em Lisboa, apenas 5% são portugueses, o que diz tudo sobre o nosso país e a ausência de promoção do Legado Arqueológico.
Mas promove-se a Colecção Berardo...

Apontar o dedo aos arqueólogos que trabalham em Foz Côa não só é injusto como um erro.

Francisco Sande Lemos