Dois textos recentes deste australiano impenitente trazem de novo à colação a problemática do Côa com o seu cotejo de originais considerandos eivados de forte e proclamada "cientificidade" (lá voltamos ao pastiche da microerosão na macieza dos xistos!), embora o argumentário continue a ser o mesmo e empastelado arrazoado de lugares-comuns, mesclado de algumas mentiras e semi-verdades. E desta vez, não contente em continuar a denegrir a arte do Côa (e a arqueologia portuguesa no seu todo), ignorando intencionalmente a evidência arqueológica que ali foi e vem sendo demonstrada, RB atira-se a Siega Verde, considerando que as suas gravuras não poderão ter mais de dois séculos!! E isso com muito boa vontade, dizendo confiar mais nas suspeições e saber popular dos aldeões de Castillejo de Martin Viejo (a aldeia perto de Siega Verde), do que nas deduções e ciência arqueológica dos que estudaram a arte rupestre presente no sítio! É pois um verdadeiro encontro de aldeões tamanha conclusão.
Tudo isto está agora de novo contido nos artigos "Fluvial erosion of inscriptions and petroglyphs at Siega Verde, Spain" [Journal of Archaeological Science, 36 (2009), 2365-2373]; e "Lecture Nº 4, Mistakes in Pleistocene archaeology" (Semiotix Course 2008, sepª de 12 p.). Que evidentemente não vou aqui escalpelizar (outra vez? não!), mas não posso deixar de assinalar, chamando a atenção para a original história da evolução da salvação e estudo da arte do Côa na visão de Bednarik (num capitulozinho da Lecture) e onde (imagine-se) sobressaiem uma bela e um monstro. Que não serão difíceis de identificar, mesmo para quem não se der ao trabalho de passar os olhos por essa visão humorística da longa batalha do Côa. Concedendo ao monstro uma verdadeira arte da prestidigitação na rústica ciência com que geriu todo o processo e na mistificação com que enganou, não meio-mundo, mas quase todo um mundo (excepto, é claro, Bednarik e talvez algum dos seus lusos amigos).
É verdade que o Vale do Côa sofre de um pecado original, ainda e sempre assombrado pelo fantasma da barragem do Baixo Côa. E isto tudo inquina, como aliás se tem visto em episódios de tramitação recente. A que se somam as enquistadas diatribes de Bednarik, acobertadas nas páginas de revistas que se pretendem científicas. E para quem a arte do Côa não ultrapassará os 400 anos - com uma ou outra coisa, diz o homem, que chegará ao Neolítico, e isto lembra-me o discurso corrosivo de Veiga Ferreira sobre a arte do Tejo, onde era tudo moderno excepto uma rocha do Neolítico perdida nos xistos de Fratel!! mas que, como foi afogada, entrou no olvido.
Claro que esta polémicazinha de segunda ordem que Bednarik pretende reacender, não tem hoje direito a títulos gordos e parangonas de imprensa, mas não deixa de ser um nostálgico remanescente dos idos de 95 e pela pena de quem ao tempo se oferecia já à companhia de electricidade para "demonstrar" que tudo aquilo era moderno e assim... a barragem podia avançar.
Quanto aos auroques do Côa (e de Siega Verde), tornam a ser touros de lide espanhóis (Spanish fighting bulls). E os cavalos são domésticos e bem arreados, tudo por entre centenas de inscrições modernas (onde? onde?). E a estória dos líquenes? Um verdadeiro conto da carochinha, agora de novo remontado por Bednarik... para verdadeira ilustração das criancinhas!!
4 comentários:
E como é que o Journal of Archaeological Science, tido como uma das referências internacionais no que a publicações peer-reviewed diz respeito, se permite publicar tamanho chorrilho de asneiras?
É apenas uma questão de bem escolher os avalistas do artigo em apreço! Ou será que a Unesco também se vai deixar enganar desta maneira extravagante quando analisar o pedido de classificação como PH do sítio de Siega Verde?
Como se explica a uma criança dez anos que não foi um pastor alcoolizado o autor dos auroques, dos peixes e dos cavalos do Côa?
Não tenho memória de alguma vez ter observado gravuras feitas por pastores alcoolizados que me sirvam de modelo de análise para paralelizar com os auroques e cavalos do Côa.
Ainda assim, creio que uma criança de 10 anos não terá muita dificuldade em entender a arte do Côa desde que devidamente contextualizada. Começando talvez por tentar explicar-se-lhe a que correspondem 25.000 anos relativamente aos seus próprios 10. E depois talvez pedir-lhe para fazer ela própria uma gravura idêntica (mas não junto aos originais, claro). Afinal a criança, se sóbria, deverá ter uma mão mais segura do que o tal pastor alcoolizado. E já agora, lembrar-lhe que no tempo em que as gravuras do Cõa foram feitas (as paleolíticas), o Homem ainda não tinha inventado o pastoreio.
Mas sabe que há uma corrente da arqueologia rupestre que defende que muitas das gravuras pré-históricas teriam sido produzidas não por artistas alcoolizados, mas antes drogados com alucinogéneos... e tudo é possível.
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