Hoje dei por mim a tentar antever como serão as nossas paisagens completamente domesticadas daqui por 500 anos! Esqueçamos as desgraças anunciadas do aquecimento global! E de uma antevisão de nova etapa glaciar! Estarão então ainda todos os rios calmos e anafados, golfados de águas lodosas e metros densos de sedimentos, rasgando campos incultos e atravessados por corredores de asfalto abandonados... Uma barragem num rio é como um trombo numa veia...
Passado o ciclo das barragens (com mais ou menos fusão a frio, que me dizem ser um mito da física!), levar-se-ão anos a limpar sedimentos e os rios rapidamente voltarão ao que eram. Mas até lá, as nossas gerações ainda terão de passar pela fase do trombo! Com mais ou menos demagogia política.
Peregrino hoje pelo Sabor, e como, para Yourcenar, "o tempo, esse grande escultor" obriga-me a olhar já para o vale como um náufrago anunciado, um náufrago do século XXI onde os homens do nosso tempo se encarniçam na instalação do trombo!
As explosões que a espaços atroam no vale assim mo recordam.
Com mais ou menos providências cautelares a barragem instala-se, a desmatação avança e a certeza sofrida de que uma ferida atroz rasgará inapelavelmente estas paisagens de maravilha é isso mesmo: uma certeza. Mas ainda há quem pode as oliveiras em campos que são já a imagem da desolação. Sobolo rio de águas calmas...
Um brincalhão imitou (e muito bem, com linha da vida e tudo!) um veadinho calcolítico, que, ao contrário do imaginário pré-histórico, está assinado em rocha perto da curva do Aguilhão
Este equídeo semiesquemático é mesmo autêntico e fora já há anos identificado por uma equipa do Centro Nacional de Arte Rupestre. Lá se expõe na sua milenar pátina argêntea, perto do santuário de Santo Antão da Barca. Até que a massa líquida tome conta do acontecimento!
Assim como este veado picotado com lascagens tipo "bago de arroz" e, vandalizado vá lá saber-se por quem, e que já em tempos aqui apresentei em desenho e melhor foto:
e nada há que pague este vibrantemente poético fim de tarde:
2 comentários:
Uns tem o privilégio de trabalhar nos últimos paraísos perdidos da Península Ibérica.
Outros desgraçados vivem amontoados nas cidades a consumir energia.
Aqui nas cidades também o passado é submerso, mas para sempre.
Pode ser que daqui a um século os olhos do futuro possam contemplar de novo as gravuras do Tejo e descobrir o mundo desconhecido que jaz sob as albufeiras do Douro.
Entretanto valha-nos o nosso santuário, não o de Fátima, mas o do Côa.
E nada temos contra os peregrinos do passado. Antes pelo contrário. Nas cidades não há tempo apenas produção.
FSL
É bem verdade o que dizes, meu caro Sande Lemos: mesmo em tempo de vacas magras é um privilégio trabalhar (voluntariamente) em Trás-os-Montes e nas Terras de Ribacôa...
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